Presidente Lula e o cego de Praga

“Nunca me esquecerei de um cego que avançou sobre um carro soviético e dava golpes desesperados com sua bengala branca sobre a blindagem do veículo” (Mauro Santayana, in Um brasileiro vê Praga, 1968).

Em 1968 o Comitê Central do Partido Comunista da Tchecoslováquia tentou implantar naquele país a “renovação do socialismo”, mas a então poderosa União Soviética interveio política e militarmente, auxiliada por aliados do Pacto de Varsóvia e impediu o sonho do líder comunista Alexander Dubcek (1921-1992).

A “renovação do socialismo” pretendida por Alexander Dubcek consistia em por fim ao centralismo burocrático comunista e permitir condições para o surgimento de uma nova direção do país através de vias razoavelmente democráticas.

Ao invadir a capital Praga com seus tanques de guerra, a URSS se deparou com o cego numa ponte do rio Vltava que passou a dar bengaladas nos blindados soviéticos, em defesa de sua pátria e de seu povo.

O gesto do cego era fisicamente inútil, mas moralmente gigante.

Não é conversa de Trancoso. Nem retórica para enfeitar artigo deste jornalista.

O jornalista Mauro Santayana viu e contou. Em 1968, ele era correspondente do Jornal do Brasil em Praga e presenciou a efervescência do movimento conhecido como Primavera de Praga.

Em data recente, o presidente Lula da Silva disse, espalhafatosamente, que não confia nas Forças Armadas ou em parte delas.

Lula da Silva é o chefe supremo das Forças Armadas, segundo a Constituição Federal e, logo, não lhe é razoável fazer essa afirmação que pode fragilizar ainda mais as relações entre militares e o governo petista ou, no mínimo, esfriar os canais de entendimento.

O general da reserva Sérgio Etchegoyen, ex-chefe do Estado-Maior do Exército e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Michel Temer reagiu:

“Ele sabe desde já que nenhum general vai convocar uma coletiva para responder à ofensa. Então isso é um ato de profunda covardia, porque ele sabe que ninguém vai responder”.

Responder seria um ato de insubordinação, quis dizer o general, tendo em vista a condição de subalternidade em que os militares se situam em relação ao presidente da República, segundo o mandamento constitucional.

Presume-se que o general quis dizer, ainda, que os militares prezam a hierarquia e a disciplina, sustentáculos da carreira militar. Os quartéis primam por esses princípios que norteiam a caserna.

Em 20/01/2023, o presidente Lula da Silva se reuniu com os comandantes das três forças e o ministro da Defesa para tentar baixar o calor nas relações Lula-Forças Armadas.

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, talvez o ministro mais experiente e sensato deste terceiro governo Lula – e que o PT não gosta e quer vê-lo pelas costas – tem o papel fundamental de serenar os ânimos. E se o PT não gosta é porque ele é bom, decente, inteligente, sensato.

Ministro José Múcio, da Defesa/Reprodução Wikipédia

O governo do PT sinalizou à imprensa que a reunião era para tratar de investimentos para as Forças Armadas. Não era, nunca foi. Mas os jornalistas serviçais deste terceiro governo Lula, à frente apresentadores e comentaristas do grupo Globo, GloboNews inclusive, e da CNN, insistem em manter a versão de que a reunião era de rotina.

O cego de Praga, com suas bengaladas, estava defendendo, com grandeza, a soberania do seu país.

Lula da Silva, com suas palavras atabalhoadas e inoportunas, pode estar cavando aborrecimentos para seu governo. Não é o momento. Mas Lula é hábil negociador, sabe conversar, sabe escorregar, sabe recuar, sabe costurar entendimentos.

Lula consegue desdizer o que disse e convencer que disse o que não disse e todos acabam pensando que ele não disse o que disse e fica o dito pela não dito.

O papel constitucional das Forças Armadas não é o envolvimento com picuinhas político-partidárias. É bem diverso. É bem maior.

araujo-costa@uol.com.br

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