Ou quando um magistrado vingativo pode contribuir para dizimar vidas e arruinar uma sociedade.

A história atribui o estopim da guerra de Canudos ao juiz Arlindo Leôni, que havia servido em Bom Conselho e respondia pela comarca de Juazeiro na região do São Francisco.
Vingativo, antes ele havia saído às pressas de Bom Conselho, outro município da Bahia, em razão de atuação dos adeptos de Antonio Conselheiro.
Já na outra comarca, prestou-se a distribuir boatos no sentido de que o beato invadiria Juazeiro.
História longa, sustentada em fatos, registra que Antonio Conselheiro pretendia retirar razoável quantidade de madeira em Juazeiro, adquirida para a construção da Igreja de Canudos, mediante acordo firmado com o juiz e que, propositadamente, não lhe havia sido entregue.
O juiz aproveitou a oportunidade para vingar-se do Conselheiro. Ainda hoje abundam juízes assim, vingativos, despreparados para o exercício da nobre função judicante.
A imprensa noticia ad nauseam.
Pululam magistrados vaidosos, vingativos, divorciados da função precípua de juiz e absortos pela fama e poder, regados a dinheiro público que sustenta suas vaidades e caprichos.
A dignidade de um juiz – seja ele de primeira instância ou ministro do Supremo Tribunal Federal – não reside nos livros que leu, nas universidades que frequentou, nos títulos que ostenta e, tampouco, na nota que obteve no concurso para a magistratura, quando a ele se submete.
A dignidade de um magistrado está em sua índole, em sua honra e, sobretudo, no respeito à função que exerce e no dever precípuo de servir à sociedade que paga os seus salários e espera dele o correto dizer do Direito e da Justiça.
A guerra, que começou em Uauá em 21/11/1896, dizimou pelo menos 25 mil pessoas.
Ainda assim, “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo” (Euclides da Cunha, Os Sertões).
Em Uauá, deu-se uma demonstração de estratégia dos conselheiristas.
O tenente Pires Ferreira, comandante da Primeira Expedição, chegou a Uauá dia 19/11/1896 e fez valer seu serviço de segurança, “postando guardas avançadas nas quatro estradas, a fim de evitar qualquer surpresa”, segundo seu relato de 10/12/1896.
Segundo o militar, “o dia vinte passou-se sem nenhum incidente notável, a não ser o abandono do arraial à noite, e furtivamente, por quase todos os habitantes”.
Os conselheiristas voltaram às cinco da manhã do dia 21 e, de surpresa, atacaram as tropas do tenente Pires Ferreira.
A partir daquele episódio, a guerra começou de fato. Outras expedições sangrentas e truculentas foram mandadas para Canudos.
Sucederam-se mortes, barbaridades, crueldades, crimes de toda ordem e uma mancha que a República carrega desde seu nascedouro.
Como se vê, a maldade de um juiz despreparado, vaidoso e vingativo pode mudar o curso da história de um povo.
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