“Este é o único sucesso real das esquerdas: sua capacidade de difamação” (Paulo Fancis, jornalista e escritor, 1930-1997).
Amigo de longa data me telefona – ainda há amigos que telefonam – um tanto injuriado com meu silêncio sobre a denominada CPMI do 8 de janeiro ou dos atos golpistas.
O telefonema alcançou-me ao cair da noite, depois de estressante expediente. Às vezes o crepúsculo é o bálsamo para desanuviar as angústias, as decepções do dia a dia.
“Não vi nada em seu blog sobre o assunto”, diz ele em tom de cobrança.
É verdade. Não viu porque não escrevi.
Entretanto, esclareço. Deixei de escrever sobre o assunto, propositadamente, porque toda vez que vejo aqueles parlamentares mentecaptos se engalfinhando no plenário da CPMI, dá-me nojo, asco, vergonha de tê-los como representantes no Congresso Nacional.
Aliás, como dizia o presidente Jânio Quadros, “o Congresso Nacional é um clube de ociosos em permanente dissidência demagógica”. Não há afirmação mais verdadeira.
Deputados e senadores estão lá defendendo interesses pessoais, à cata de dinheiro de emendas parlamentares, cargos, benesses, fama, poder, holofotes. A defesa dos brasileiros está em plano secundário.
Não precisa ser inteligente para vislumbrar isto. E eu não sou.
Há exceções, por óbvio.
Há coisa mais patética do que os senadores Randolfe Rodrigues, do Amapá, líder do governo no Congresso e Humberto Costa (PT-PE) ambos fazendo, por tabela, propaganda de uma marca de chocolate, a pretexto de responder a desatinos de bolnonaristas e de defender um conhecido piolho lulopetista das redes sociais?
É esta a função de um senador da República?
Convenhamos, é mutilar o debate político e a função parlamentar.
Independentemente de o presidente da República ser Lula da Silva ou outro qualquer, mesmo que se acredite nos propósitos de Lula, arranha quaisquer centelhas de seriedade entronar Randolfe Rodrigues como líder do governo no Congresso Nacional.
Randolfe Rodrigues muda de ideia – se é que tem ideia – de acordo com o vento. Antes espinafrava o Supremo Tribunal Federal e o ministro Alexandre de Moraes, como se vê no discurso que fez em 16/04/2019 na 51ª Sessão Deliberativa Ordinária do Senado Federal. Hoje lhes lambe as botas.
Há senadores mais sérios e abalizados da base do governo, inclusive petistas, para o exercício daquela função congressual.
Mas voltando à CPMI de 8 de janeiro ou dos atos golpistas, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da comissão, apresentou o relatório final dos trabalhos, que ainda vai ser votado, cujo conteúdo todos já conheciam, de antemão: a recomendação para o indiciamento de pessoas vinculadas ao governo anterior.
A senadora maranhense, declara-se “amiga de Flávio Dino” (Portal Terra, 17/10/2023), o ministro que, na condição de governador, apreciava caras guloseimas à custa do povo do Maranhão.
O relatório da senadora recomenda, dentre dezenas de outros, o indiciamento de oito generais e um almirante: generais Marco Antonio Freire Gomes, Augusto Heleno, Walter Braga Neto, Luiz Eduardo Ramos, Paulo Sérgio Nogueira, Carlos José Russo Assumpção Penteado, Ridauto Fernandes e Carlos Feitosa, além do almirante Almir Garnier.
O relatório da senadora recomenda também o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, o que não é nenhuma novidade. Todos já sabiam disto. É o objetivo da CPMI.
A CPMI sequer ouviu o ex-presidente, como manda a boa prática investigativa.
Qualquer primeiranista de Direito sabe que o indiciamento pressupõe prévia oitiva do investigado, exceto nas hipóteses de indiciamento indireto que, gritantemente, não é o caso.
Como se vê, tratam-se de um relatório atabalhoado, de uma CPMI hipócrita e de parlamentares apequenados diante da grandeza do exercício da nobre função legislativa, o que confirma a frase de Paulo Francis, que encima este texto.
Milhões de dinheiro público foram torrados para a CPMI funcionar e montar palanque para deputados e senadores expressarem suas vaidades, asnices, imbecilidades.
A produção da CPMI é risível. A Polícia Federal já vem investigando com mais eficiência e seriedade os supostos crimes que a CPMI investigou ou diz ter investigado. Portanto, dispensável o teatro parlamentar à custa do dinheiro público.
As comissões parlamentares de inquérito estão previstas na Constituição da República. Tais instrumentos do parlamento devem ser usados com seriedade e sempre que necessário, mas não como palanque político.
Pergunto ao amigo que telefonou para reclamar:
É ou não caso para ter nojo, asco?
Ou, no mínimo, desprezo pela hipocrisia de alguns parlamentares.
araujo-costa@uol.com.br