
José Eudes de Menezes (Iê) era filho de Eloy Pacheco de Menezes e Maria Argentina de Menezes.
Todos deixaram um vazio enorme, cruel e inominável na vida social de Chorrochó.
A comarca de Chorrochó foi instalada em outubro de 1967. Já se vão, por aí, 58 anos. José Eudes de Menezes foi o primeiro escrivão dos feitos criminais e serventuário do primeiro juiz titular Dr. Olinto Lopes Galvão Filho.
Todavia, aqui não quero falar da comarca. Já o fiz noutras ocasiões. Tampouco do cargo que ele exerceu com tanta honradez, dignidade e dedicação, tarefa esta reservada a historiadores e memorialistas, que não é o meu caso.
Refiro-me aqui ao amigo Iê. Convivi com ele alguns anos, poucos anos, tempo suficiente para desfrutar de sua amizade. Ele me ensinou datilografia. Disponibilizava sua máquina de escrever portátil para que eu pudesse aprender e treinar no local onde trabalhava, o Bar Potiguar.
À época ginasiano do Colégio Normal São José, ao lado dele construí muitos dos meus sonhos, alguns realizados, outros não.
A máquina de escrever era verde, deve ainda estar por aí, nalgum lugar de Chorrochó e nela o vi, muitas vezes, datilografando certidões forenses no cumprimento de seu dever. Uma escrita limpa, sucinta, cuidadosa.
Para alguns jovens, que nunca viram uma máquina de escrever, o que não é nenhum demérito, explico que não se trata de nenhuma geringonça jurássica, mas um utilíssimo equipamento que antecedeu o computador. O que hoje se diz digitar, antes se dizia datilografar.
O escritor paraibano José Lins do Rêgo escreveu que “a idade nos cura dos achaques da infância”. Outro escritor, este amazonense, Milton Hatoum, diz que “talvez a velhice seja um naufrágio”. Creio que ambos estão certos.
Benditos os achaques da infância. Benditos os caminhos que nos levam à velhice. Benditas as recordações.
O diabo é que a idade não cura também os traumas. Muitos deles ainda carregamos no cambalear de nossos tropeços. A saudade dos amigos que se foram faz parte desses traumas, o martelar da constante ausência desses amigos e, mais do que isto, a crudelíssima certeza de que não será mais possível encontrá-los.
O falecido jurado de televisão Pedro de Lara me disse uma vez numa tarde em São Paulo, que os sonhos permitem tudo, inclusive o encontro com os mortos.
Cético, zombei, duvidei, questionei. Sério, semblante fechado, olhar desafiador, cabelos desalinhados, Pedro de Lara escreveu num pedaço de papel e me passou. Guardo-o até hoje: “você duvida, mas acredita”. Achei-o profundo, filosófico, reflexivo.
Passei a observar: quando sonho com amigos falecidos, ao acordar tenho a sensação de que estavam ali presentes.
Todavia, quanto a Iê, guardo algumas recordações, além da amizade, que é indestrutível, apesar da morte: a boemia, os encontros diários, a generosidade, a lealdade, a convivência, o sorriso.
Espirituoso, vi-o algumas vezes pensativo, mas nunca o presenciei triste e cabisbaixo.
Uma vez no desaparecido Bar Potiguar, em Chorrochó, um senhor se desentendeu comigo e, estranhamente, dias depois, em atitude duvidosa, passou a andar nas proximidades.
Nada muito sério, mas eu era jovem, inexperiente, não tinha cacife para enfrentar situações embaraçosas, quiçá perigosas.
Iê percebeu e me deu uma cobertura destemida e diária. Difícil esquecer essas demonstrações de lealdade e amizade, mesmo que distantes no tempo.
Iê deixou mulher e filhos. Família bem estruturada, admirável, moralmente sadia.
Prezo todos, admiro todos, gosto de todos. Talvez seja uma marca do que ele me ensinou em nossa convivência: o valor da amizade.
Tempo de Amada amante, A beleza da rosa e Pensando em Marisa, que Roberto Carlos e José Ribeiro alegravam nossa juventude. Tempo dos bailes da antiga Barra do Tarrachil ao som de Izabela, de Renato e seus Blue Caps e Mar de rosas, de The Fevers.
Não importa o tempo, mas a lembrança.
Amigo relapso, não tinha em meus arquivos sequer uma foto de Iê que pudesse ilustrar esta crônica. Vali-me dos préstimos de sua atenciosa família: Marina, Adriana, Taciana e Eloy Neto. Agradeço a todos pela presteza e generosidade.
araujo-costa@uol.com.br