“De repente, rápida como viera, a tempestade foi para outros mares, naufragar outros navios” (Jorge Amado, 1912-2001, Mar Morto)

Situo-me no início de janeiro de 1971.
Expulso pela cruel realidade da caatinga e intempéries da zona rural do meu município de Curaçá, cheguei a Chorrochó, ainda muito jovem, carregando sonhos e um tanto de timidez e inexperiência na pobre e tosca bagagem.
O objetivo primeiro era matricular-me no Colégio Normal São José e, a partir daí, começar a alargar os horizontes em direção ao desconhecido.
Como foi difícil essa caminhada! Continua difícil seguir as curvas do caminho.
Naquele início de 1971 conheci Antonio Euvaldo Pacheco de Menezes. Ficamos amigos.
A elasticidade do calendário denuncia que já se passaram mais de cinco décadas.
A vida é uma sequência de passos inarredavelmente ligados ao passado e, neste cenário, a amizade não acaba ou, pelo menos, nunca deveria acabar, mesmo in memoriam.
Já se disse, por aí, que o passado deve ser guardado na alma e não se deve exibi-lo. Há sentido nisto. Deve haver sentido nisto.
Todavia, sempre resta alguma coisa que alinhava o caminhar, impulsiona o viver e cutuca a saudade.
Espaçam-se as amizades que tivemos ao longo do tempo e as que ficaram ou o que resta delas. Muitas páginas dispersas no agendar da vida.
Algumas amizades fracassam, outras perduram. Isto é o que atestam o burburinho e o fervor da juventude. Isto é o que evidencia a frieza cruel do amadurecimento. Isto é o que atesta o caminho do tempo em direção à velhice.
De tudo, uma lição: à semelhança da tempestade, o envelhecer provoca o naufrágio da juventude, empurra-nos em direção às dificuldades do caminho e, sobretudo, carrega entes que nos foram muito caros.
Ficam as boas amizades que perduram, se ainda não se foram em direção à finitude da vida, porque – todos sabemos – o indizível da morte é inevitável.
Ouvi muitas vezes reflexões sobre portas e janelas que se fecham e se abrem, em meio às incertezas e aos sonhos da mocidade.
As amizades também fecham portas e janelas. Por isto, a arte de construir amizades exige equilíbrio, humildade, complacência, ajuste de sentimentos, adequação às diferenças.
Assim como eu, Antonio Euvaldo tentou cavar a vida em São Paulo.
Convivemos por algum tempo em Santo André, o A do ABC paulista, âmago da efervescência política àquela época.
Lá tentamos compatibilizar a saudade da Bahia com o agitado viver de Santo André.
Em mim sempre estiveram presentes as lembranças da secura da caatinga, do burburinho das águas do Riacho da Várzea, do cantar da seriema, da poeira e dos garranchos das estradas e, sobretudo, de minhas raízes fincadas naqueles confins do sertão.
Antonio Euvaldo carregava a inquietude, a ironia, a polêmica, a rebeldia, a boemia, a atenção em relação aos demais.
Éramos, em Santo André, uma espécie de confraria dos saudosos sustentada nas coisas do Nordeste.
Ainda em Chorrochó, Antonio Euvaldo Pacheco de Menezes (Totó ou Corró, para os amigos), que tinha nome de nobre português e não está mais por aqui, deixou-me algumas reflexões.
Ele se foi antes do combinado, como se diz no interior de São Paulo, mas as frases que ele tanto dizia e repetia sobre o andar da vida continuam cutucando a saudade e dilacerando os momentos quando me recolho à solidão.
Entretanto, como dizia Afonso Arinos (1905-1990), “a pior solidão é a ausência de si mesmo”.
Nalguns momentos da vida, até a saudade é boa companheira.
Post scriptum:
Há algum tempo um leitor atento – e muito sincero – ponderou: “Ninguém está interessado em saber de sua vida, mas de seus textos”.
Ele tem razão. Eventualmente carrego um pouco nas tintas sobre passagens casuais de minha vida.
Entretanto, passou despercebido ao caríssimo leitor que isto faz parte da crônica, do ofício de escrever.
Não sou ficcionista. Escrevo sobre o dia a dia. Fácil compreender.
O cronista escreve sobre o cotidiano, amigos, episódios vividos, política e políticos, fatos, pessoas conhecidas, parentes, aderentes, ruas, esquinas e até sobre borboletas.
Longe de mim o narcisismo. Sou avesso à exposição de minha vida. Prezo a discrição minha e dos outros.
Faz parte do meu modo e estilo.
araujo-costa@uol.com.br