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“Quando a lama virou pedra e mandacaru secou, quando ribaçã de sede bateu asa e voou.” (Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga)
Os mais experientes e abalizados pesquisadores do semiárido nordestino são os sertanejos de rosto vincado pelo tempo, sol escaldante, sofrimento diário e ininterrupto. Esses entendem de tudo, quando o assunto é seca, Nordeste, intempéries e experiência de luta.
Não frequentaram universidades, nem fazem parte de doutos institutos de pesquisas.
A imprensa vem noticiando, com estardalhaço, que “pela primeira vez, especialistas identificaram uma região de clima árido no Brasil, um dado surpreendente e alarmante que tem uma explicação clara: as mudanças climáticas causadas pelo homem” (G1, 21/01/2024).
“O trecho de quase 6 mil km2 fica no centro-norte da Bahia e abrange toda a área das cidades de Abaré, Chorrochó e Macururé, além de trechos de Curaçá, Juazeiro e Rodelas, municípios baianos que fazem fronteira com o sertão pernambucano”, ainda segundo o G1.
A imprensa contextualiza: “A aridez é a falta crônica de umidade no clima, iniciando um desequilíbrio constante entre oferta e a demanda de água. Ela é permanente e, por isso, difere da seca, período temporário de condições normalmente secas” (G1, 21/01/2024).
Os especialistas que “pela primeira vez identificaram uma região de clima árido no Brasil” estão atrasados pelo menos alguns séculos, com toda e respeitosa data venia, elevado e absoluto respeito à Ciência, aos pesquisadores e às instituições que cuidaram do estudo.
As calamidades oriundas das secas veem de séculos. Tem-se registro de seca intensa já em 1792.
A história registra grandes secas no Nordeste de 1877 a 1879. Ainda no Império, o Brasil perdeu entre 400 e 500 mil pessoas, em razão da seca desse período.
Não havia água, não havia umidade do clima.
Já àquela época houve emigração em massa. O êxodo de nordestinos em direção a outras regiões se acentuou em razão das grandes estiagens, atestando que já havia “desequilíbrio constante entre a oferta e a demanda de água”. Agora os pesquisadores definem a escassez de chuvas como aridez. Ou não?
São conhecidas, por exemplo, as estiagens prolongadas cearenses, a desertificação e o descalabro causados pela seca de 1915.
“Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos vazios, na descarnada nudez das latas raspadas.” (Rachel de Queiroz, O Quinze).
O sofrimento nordestino é retratado, dentre muitas passagens da história, em A Triste Partida, do poeta cearense Patativa do Assaré, eternizada na voz de Luiz Gonzaga; em Vidas Secas, de Graciliano Ramos e em tantos outros registros inquestionáveis.
Não tenho nenhum conhecimento científico para questionar preparados e dedicados pesquisadores, mas de novo, data venia, ouso afirmar que se trata apenas de uma constatação e não de uma novidade.
Faço minha pergunta de leigo, quiçá de ingênuo escrevinhador: os pesquisadores, para robustez de seu estudo, ouviram sexagenários, septuagenários, octogenários, outros tantos e, sobretudo, jovens universitários da região, para embasar esse estudo que reputo questionável?
O sertão da Bahia não pode ser uma estatística, mas uma realidade. A realidade do Nordeste é o próprio nordestino.
Salvo engano, o interesse por estudos dessa natureza veem se prolongando há pelo menos 60 anos.
Em consequência, o retro aludido estudo é respeitável e meritório, mas daí a acrescentar grande novidade à situação climática da caatinga da Bahia, não parece surpresa razoável, tampouco alarmante. Preocupante, sim. Sempre foi preocupante. Sempre será preocupante.
Qual a novidade em constatar que no centro-norte da Bahia há “escassez forte de chuvas”, como diz o estudo?
Post scriptum:
O estudo foi feito pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), duas respeitáveis instituições.