Já se vão, por aí, algumas décadas.
Na década de 1970 havia uma pensão na Rua Brás Cubas, centro de Santo André, coração do ABC paulista. A pensão não existe mais. O progresso imobiliário extirpou-a do local, mas não conseguiu extirpar as lembranças e a saudade dos amigos de antanho.
A pensão abrigava rapazes, geralmente estudantes e alguns senhores circunspectos, que ainda cavavam a vida.
Morei lá, vivi lá, aprendi muitas coisas lá. Dessas, pratiquei umas, abandonei outras e tenho dúvidas se acertei ou errei ao não ter seguido outras tantas.
O ambiente era central e acolhedor, vizinho à bela e histórica catedral diocesana de Nossa Senhora do Carmo, perto de tudo e inserido nos acontecimentos da fervilhante região do ABC. Na catedral está enterrado D. Jorge Marcos de Oliveira, primeiro bispo da diocese de Santo André.
Como é praxe nesses ambientes de juventude, ali nasceram amizades, sedimentaram-se experiências, dissolveram-se arrogâncias e, mais do que isso, aprendiam-se modos de viver.
Aliás, toda pensão e seus quartos têm modus vivendi, regras sociais sadias criadas por seus ocupantes.
Toda pensão é um simulacro de nossa sociedade, às vezes conturbada, outros vezes tranquila, quase sempre incompreensível, mas aceitável.
Lembro um amigo, Elias Pedro dos Santos.
Convivemos lá na pensão, inquietos, barulhentos, combativos. Ele já professor de uma respeitável instituição paulista; eu ainda estudante, sem nenhuma âncora profissional, impaciente com as incertezas da vida.
Elias é um sujeito que cultiva as amizades, preocupa-se com elas e, sobretudo, não as abandona. É intransigente na defesa de seus amigos. Quase quatro décadas depois me localizou em São Bernardo do Campo e honrou-me com a sua visita.
Senti-me vaidoso, rejuvenescido. Como nos tempos de pensão, Elias continua inquieto, buliçoso, bem humorado.
Mas a passagem do tempo lhe trouxe uma marca: os cabelos homogeneamente brancos, tingidos pelo tempo. Marca que, além da experiência, significa fidelidade aos seus princípios de berço pernambucano e nordestino.
O escritor Mario Prata adotou uma teoria um tanto lógica e curiosa: o período da “envelhecência”. Diz ele que essa fase da vida se situa entre a maturidade e a velhice, vai dos 45 aos 65 anos.
Sendo assim, nela já me incluí. É a preparação para a velhice, aduz o escritor, assim como depois da infância segue-se a adolescência, que é a porta de entrada da maturidade.
Então, creio, a “envelhecência” traz reflexão e inquietude. Inevitável olhar para trás e perceber o diluir de muitas esperanças, até mesmo as idealizadas em quartos de pensão.
Inevitável antever o futuro e observar o pouco tempo que resta para a realização dos sonhos que ainda pretendemos alcançar. A construção desses sonhos claudica diante da exiguidade do tempo. O horizonte se distancia, mas a coragem persiste. Os sonhos também.
Mas o certo é que na “envelhecência” adquirimos envergadura para não aceitar mais algumas coisas. Por exemplo, que pessoas empoleiradas no poder nos empurrem goela abaixo coisas que elas se acham no direito de fazer. Os governantes gostam muito disto. Adoram empurrar imbecilidades em nossos orifícios.
Naquele tempo da pensão de Santo André lutávamos por um Brasil melhor. Hoje os momentos de reflexão insistem em dizer que fracassamos.
A única certeza é que valeu a pena a sequência dos tropeços e a poeira que sacudimos ao caminhar em direção aos nossos sonhos.
araujo costa@uol.com.br