Deixei meu carro velho, que chamo carinhosamente de mustang, no local de trabalho.
Peguei um ônibus em direção ao centro da cidade, que fica “logo ali”, como dizem os mineiros.
Um amigo me disse que sou mais conhecido na região por ter um carro velho e não por ser advogado. Confesso que não sabia disto.
Fui resolver algumas coisas que, a rigor, o carro não seria necessário.
No ônibus, já de volta, sentei-me ao lado de um senhor velho como eu, cabelos brancos como eu, feio como eu.
Conversador, puxou assunto e quis saber onde eu trabalhava.
– Num escritório ali à frente, alguns pontos adiante, devo descer logo.
Vendo-me de paletó e gravata, deduziu à sua maneira, mais afirmando que perguntando.
– Você é guarda da empresa, né?
Para não desapontá-lo, confirmei. Disse-lhe que sim, trabalhava há muitos anos, desde que o patrão se instalou no local.
O patrão é muito sovina, mão de vaca e ruim, não permitia nem que eu fosse de carro ao centro da cidade resolver minhas coisas.
Ficamos alguns minutos falando cobras e lagartos do meu patrão, que sou eu.
Na verdade, mereço.
Quem mandou deixar minha bela caatinga do sertão da Bahia e vir para São Paulo lutar, sofrer e chegar à velhice ainda com disposição de falar essas coisas do patrão?
Quando desci do ônibus, deu-me uma crise de riso. As pessoas que passavam por mim certamente me achavam com cara de besta. Ou de idiota, o que dá no mesmo.
Acho que sou.
Advogado septuagenário, com mais de quarenta anos no exercício da profissão, que não ficou rico e nem famoso, tem mesmo é que ficar por aí, dando explicações a curiosos dentro de ônibus.
Como sempre me preocupo com o significado das coisas, fiquei matutando. Acho que a lógica daquele senhor é esta: o sujeito velho, de terno e andando de ônibus é guarda ou porteiro de prédio.
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