Há algum tempo, leitor de origem nordestina me cobrou um artigo que leu nalgum lugar em que falo de becos e cabras.
Confesso não me recordar.
Minha memória esburacada tropeça aqui e acolá, de modo que nem sempre encontro o que procuro em meio à bagunça de meus alfarrábios, papéis desatualizados e arquivos desorganizados.
Todavia, presumo que o leitor se referia ao artigo versando sobre o povoado de São José, município de Chorrochó, sertão da Bahia.
Já se vão mais de onze anos da publicação que se deu em 23/04/2013. Por aí se vê, que o tempo desalinhou o andar da memória, de modo que até a realidade do lugar pode ser outra e não aquela lembrada em 2013.
O texto fala da realidade da época, que hoje deve ser diferente e, portanto, desconforme aquela quadra do tempo.
Ou seja, o desenvolvimento pode ter chegado por lá, desfigurando o que eu havia contado em 2013, porque, afinal, presumo que o prefeito de Chorrochó deve primar pelo quesito trabalho e respeito às tradições de sua gente.
O povoado de São José cresceu – ou tentou crescer – com a ajuda possível de seus próprios recursos, advindos, unicamente, do trabalho suado do homem do campo.

Pequenos agricultores que viviam, como ainda hoje, da cultura de subsistência, plantando feijão, milho, abóbora, melancia e batata doce, para criar seus filhos, desesperançados, mas firmes, em razão da pobreza do lugar.
A labuta era complementada com a criação de pequenos rebanhos de caprinos e ovinos, quase sempre dizimados pelas constantes secas.
Hoje São José tem poucas centenas de habitantes, causticados pelo sol escaldante, porque o clima lá é cruel, quente, semiárido, extremamente difícil de enfrentar.

Comum entre seus becos empoeirados, mais do que pessoas, eram o caminhar das cabras e o tilintar de seus chocalhos, assim como porcos e galinhas.
O povoado tinha um líder político que sempre lutou por sua gente: Boaventura Manoel dos Santos.
Boaventura foi vereador por diversos mandatos, com altivez e extrema dedicação, contou sempre com o apoio incondicional de seu povo, que o mantinha na Câmara Municipal de Chorrochó para ser sua voz, seu refúgio, sua retaguarda. E ele, no que pôde, cuidou de São José, diuturnamente.
Para isto, Boaventura teve a ajuda e solidariedade de outro líder político de Chorrochó, Dorotheu Pacheco de Menezes. Ambos viabilizaram para lá a professora “formada”, como se dizia à época, Maria Dias Sobrinho, dando-lhe oportunidade para morar no povoado, ensinar, abrir o caminho para as crianças seguirem em direção ao futuro em busca de novos horizontes.
Maria Dias era uma criatura humilde, reflexiva, responsável. Deixou a semente para a juventude de hoje e o exemplo de luta.
Em 2016 o Colégio Estadual Maria Dias Sobrinho perdeu sua caracterização como instituição. Hoje é um anexo do Colégio de Tempo Integral São José, da sede, mas a semente germinou e ficou a esperança dos jovens de São José, estímulo para o prosseguimento da caminhada e, sobretudo, o fundamento para a construção do caráter, espinha que deve nortear a vida de todos nós.
Nenhum horizonte será possível se faltarem a persistência e a vontade de seguir avante.
Só a escola é o caminho certo. Só a educação formal e familiar é a luz para clarear o caminho em direção ao futuro.
Conheci Maria Dias Sobrinho, nascida na caatinga, como eu, ainda na juventude, início da labuta com vistas ao exercício de sua profissão de mestra, enfrentando dificuldades de toda ordem, até mesmo para receber o salário.
Ainda assim, lutou, sofreu, ensinou, enfrentou a solidão do lugar e adquiriu o respeito da população de São José.
Salvo engano, o Colégio foi fundado em 1981 e, após trancos e barrancos, autorizado a funcionar somente em 2005.
Contribuíram tenazmente para a realidade do Colégio Maria Dias Sobrinho, dentre outros: Júlia Marques (diretora), professores Manoel Belfort, Edleide Conceição, Cilene Cristianne, Clécia Cristiane de Carvalho, Maria do Socorro Ribeiro, Luciana Dias e, ainda, cada uma em sua respectiva função, Adelina Marques Batista, Brasilina, Maria de Lourdes Arnaldo, Odete Marques, Júlia Dantas, Joelma Dantas, Meire, Maria de Lourdes dos Santos e Rose Cleide.
A professora Necy Gomes de Sá exerceu seu mister no Colégio por dez anos, inclusive na condição de diretora.
São José é um povoado de pessoas humildes, dignas, resistentes ao tempo e às intempéries.
Lá tive algumas amigas que não moram mais lá e o tempo afastou, Almira Marques Ribeiro, Eremita Marques Ribeiro e Antonia Marques Ribeiro.
Demais, são fragmentos da juventude que, mesmo sendo fragmentos, continuam enfeitando a saudade do tempo e do lugar.
São José ainda é um conjunto de casas simples e rodeado pela vegetação da caatinga.
Contudo, São José tem a semente para germinar o idealismo dos jovens que se deslocam todos os dias até a sede do município para estudar, enfrentando riscos da estrada difícil e, sobretudo, o descaso das autoridades.
Post scriptum:
A professora Necy Gomes de Sá contribuiu com esta matéria no que tange ao crédito das fotos, à citação dos nomes de colaboradores e atualização de algumas informações do então Colégio Estadual Maria Dias Sobrinho que me faltavam.
Eventuais erros e omissões, inclusive quanto aos nomes, são exclusivamente deste escrevinhador.
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