Patamuté, lugares e lembranças de minha aldeia

Casa de taipa na caatinga de Patamuté, onde nasci.

“Tudo está neste lugar: os silêncios, o tempo, o calor, a poeira, a solidão.” (José Luiz Villamarim, diretor de cinema e televisão, sobre o sertão nordestino)

Modéstia à parte, nasci em Patamuté, lugar encravado no sertão da Bahia.

Em Patamuté é modo de dizer, porque nascer lá é muita honra e por isto sempre digo que sou de lá, com orgulho.

Mas nasci mesmo foi numa rústica casa de taipa, entre pedras e cactos, na caatinga, divisa com o município de Chorrochó, nos barrancos do Riacho da Várzea.

Esse lugar pertence ao distrito de Patamuté, minha querida aldeia, lá para as bandas do município de Curaçá.

Um amigo metido a filósofo, depois do terceiro uísque, quis saber a razão de tanto me orgulhar de lá.

Expliquei-lhe. Melhor, perguntei-lhe.

Você sabe o que é nascer ouvindo o canto dos pássaros e a cantiga das cigarras e se criar dividindo espaço com bodes, cabras, ovelhas, tatus, tamanduás, preás, raposas, teiús, galinhas e outra série de animais e aves do sertão?

Sabe o que é passar a infância com os pés descalços e roupas rasgadas e conviver, diariamente, com o sol escaldante do sertão?

Sabe o que é beber água de pote?

Você já viu a escuridão ou o luar da caatinga, o fogão a lenha, os galhos retorcidos das árvores em tempo de seca?

Já viu o verde, quando Deus manda chuva para alegrar o sertanejo?

Já ouviu a conversa despretensiosa do sertanejo, os “causos” que ele conta? 

Sabe como é bom tomar banho nas águas barrentas do Riacho da Várzea, que serpenteia devagar, em direção ao São Francisco e nem sempre suas águas chegam lá, porque vão se perdendo na secura do tempo?

Sabe o que é beber água salobra de cacimba, em tempo de seca, dividindo o espaço com abelhas e sapos, sentir-se bem com isso e ainda agradecer a Deus?

Já descansou à sombra de um juazeiro?

Sabe o que é assistir ao espetáculo de caprinos e ovinos berrando em volta do chiqueiro ao anoitecer?

Você já viu a lua na caatinga? As estrelas, o cantar dos pássaros noturnos, o coaxar dos sapos?

Você já viu o sol escaldante da caatinga? Já viu o nascer do sol e o crepúsculo na caatinga?   

Sabe o que é nascer e ser criado num universo imenso como as caatingas de Curaçá e Chorrochó, onde se faz história de tudo, até do sofrimento de sua gente?

Sabe o que é orgulhar-se até do desespero dos desamparados naquele mundão?

Sabe o que é lembrar as lágrimas – e foram tantas – de nossos antepassados? Sabe como um povo consegue ser tão forte, embora em meio a tanto sofrimento e, não obstante, sempre vive alegre e espirituoso?

Tudo isto é muito orgulho, que às vezes fica querendo saltar do peito em direção ao mundo.

Tudo isto é muita honra e honra maior é dizer: sou filho de Patamuté.

Os lugares de minha aldeia são muitos, inúmeros, inesquecíveis: os riachos, as estradas, a caatinga, os umbuzeiros, a sombra das árvores, o xique-xique, o mandacaru, a terra quente, as candeias de Patamuté, a pobreza da casa de taipa onde nasci, o cenário do sofrimento e o amor que tenho por lá, que nunca saiu de lá, mas continua me acompanhando onde vou.

Ilustro esta crônica com a imagem da casa onde nasci.

Lá sofri, sorri, chorei, sonhei.

Lá o tempo conserva minhas raízes.

Lá aprendi a ter esperança e acreditar no nascer da aurora e na perspectiva de novos horizontes.

Lá foi minha melhor escola de humildade, conheci minha pequenez e minhas limitações e aprendi a inutilidade da arrogância.

Lá iniciei os primeiros passos em direção ao desconhecido.

Continuo andando, sorrindo, chorando, sofrendo, tropeçando, caindo e ainda sonhando.

araujo-costa@uol.com.br

Deixe um comentário