Memória de Patamuté: Francisco Ferreira Vital

“O mundo é o seu caderno, as páginas em que você faz suas somas.” (Richard Bach)

Francisco Ferreira Vital/Arquivo da família

Incluo-me entre aqueles que cutucam o tempo, cavam as lembranças e se enternecem com elas.

As construções precisam de esteios e de cumeeiras para se sustentarem diante da ação do tempo. “O tempo atreve-se a colunas de mármore”, disse padre Vieira. Imaginemos o que o tempo é capaz de fazer com a fragilidade humana. 

Desmoronam-se as colunas, os esteios, mas ficam as lembranças, os exemplos, mormente os bons exemplos.

Francisco Ferreira Vital, que seus  contemporâneos chamavam Chiquinho Vital – e ainda hoje a história de Patamuté mantém assim intacto o nome – era um senhor impressionantemente culto, atencioso, educado e respeitador.

Chiquinho Vital constituiu família nobre em Patamuté e a educou consoante os rígidos modelos de educação disponíveis à época. Era entusiasta da educação e incentivador dos jovens no sentido de caminharem em direção ao conhecimento, em busca de novas alvoradas.

O núcleo familiar de Chiquinho Vital compunha-se da mulher Josefa Mendes Vital e das filhas Ana Mendes Vital Matos, Euza Maria Vital, Maria da Silva Vital e Francisca da Silva Alves. E os filhos Mílton Ferreira Victal, Bonifácio, João Vital e Nequinha.

Vestia-se elegantemente, sempre com um paletó sobre a camisa de mangas longas, olhar sereno, passos firmes, aguçada inteligência e notável apreensão fulminante. Colhia no ar as dúvidas, as angústias dos circunstantes, a pergunta que ainda estaria balançando nas conjecturas. 

Impressionava suas lições didáticas, sem consultar nenhuma anotação, estribado somente na memória, no conhecimento e na experiência.

Este escrevinhador muitas vezes se valeu de seus ensinamentos para esclarecer pontos sugeridos pelas professoras primárias da Escola Estadual de Patamuté, única existente à época, inclusive por sua filha e professora Ana Mendes Vital Matos.

Francisco Ferreira Vital era uma referência em Patamuté no que tange ao delineamento de vida, seriedade firmada ao longo do tempo, benevolência e, sobretudo, irrepreensibilidade de caráter.

Sempre prestativo, disponibilizava-se para longas conversas com jovens, para dar-lhes orientação sobre horizontes, sonhos, vida futura.

Além de suas atividades de praxe, Chiquinho Vital mantinha uma espécie de ateliê.

Tratava-se de um espaço acoplado ao casarão de sua residência, onde inventava candeeiros, objetos de decoração e outras coisas mais e se servia daquele mesmo lugar para receber amigos, pessoas das fazendas e estudantes ávidos para tirarem dúvidas sobre assuntos escolares.

Os candeeiros, desconhecidos no dia a dia de hoje, eram necessários e muito úteis naquela quadra do tempo, em todo o Nordeste. Em Patamuté e na zona rural do distrito, também, porque não havia energia elétrica.  

Chiquinho Vital ia buscar, nos recônditos de sua admirável inteligência,  as criativas invenções que todos admiravam – e não somente candeeiros.

Atravessava regularmente a pacata rua de Patamuté, chapéu bem acomodado e ia ter-se no armazém de Antonio Paixão, seu amigo de longas conversas e altas elucubrações. Conversa aprumada e interessante sobre assuntos diversos.

Demoradas conversas sobre amenidades. Bate-papo despretensioso, bonito, enriquecedor, provocador de ideais.

Como conversa puxa conversa, ambos iam esticando, descontraidamente, como se puxassem a linha de um novelo.

Minha memória esburacada ainda enxerga a caneta entre os dedos, criteriosamente pousada sobre o papel de embrulho no balcão tosco, ensinando-me regra de três simples e composta. Era exímio em cálculos aritméticos. Aliás, era um mestre em generalidades.

Depois esqueci, mas a memória reteve o interesse dele em ensinar e a paciência com que suportava minha dificuldade de aprender.

Tentei guardar seus ensinamentos voltados à moral e ao bom comportamento que, confesso, ainda não consegui segui-los à risca. Em idade septuagenária, sou um caso perdido.

O mundo de Chiquinho Vital foi um caderno que só somou em suas páginas.

Em tempo:

Sou grato a Anselmo Vital Matos que, com presteza, me socorreu informando os nomes corretos da família e com a foto de Francisco Ferreira Vital.      

Agradeço também ao professor Wagner Gomes, filho de Patamuté, que me lembrou sobre a omissão, no texto, de alguns nomes de integrantes da família de Chiquinho Vital. Editei a matéria em seguida e peço escusas aos leitores pelo descuido.

O professor Wagner acrescentou uma informação que eu desconhecia e faço o registro. Chiquinho Vital era natural de Juazeiro e tinha um irmão gêmeo.   

Zelinho Sena, outro filho ilustre e atento de Patamuté, acrescentou valiosa observação segundo a qual Chiquinho Vital foi Juiz de Paz do distrito de Patamuté.

araujo-costa@uol.com.br

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