“Nada está mais próximo da ingenuidade do que a malícia levada ao extremo.” (San Tiago Dantas, jornalista e advogado, 1911-1964, ministro da Fazenda e Chanceler do presidente João Goulart).
É inegável que o PT foi fundado com nobreza de propósitos, porque assim pensavam seus fundadores.

Entretanto, muitos deles abandonaram o partido quando perceberam que estava à deriva e rumando em sentido contrário às convicções que defendiam.
Insta acentuar que isto ficou evidente tão logo o PT assumiu o poder da República, nos primeiros anos de Lula da Silva com o surgimento do mensalão e outras práticas antes condenadas pelo partido.
Em 10/02/1980, o PT nasceu ajoelhado aos pés da elite.
Com grande apoteose, foi fundado nas dependências do tradicionalíssimo e centenário Colégio Nossa Senhora de Sion, frequentado pela elite quatrocentona paulistana.
Naquele dia, ali tinha de tudo: intelectuais exaltados, esquerdistas frustrados, sonhadores, líderes bem-intencionados, ex-presos políticos e opositores ferrenhos da ditadura militar e ingênuos de toda ordem, et cetera. Menos trabalhadores.
O simbolismo não podia ter sido maior. Lula disse, em algumas ocasiões e até com uma ponta de orgulho, que nunca os banqueiros e a elite empresarial ganharam tanto dinheiro como nos dois primeiros mandatos dele.
Com o tempo, o PT foi arrebanhando ativistas da esquerda católica, profissionais liberais e marxistas de alto costado, de forma que atingiu robustez suficiente para sustentar-se por longas décadas, como principal voz da esquerda.
O fôlego do PT não acabou. Está longe disto. O partido tem estrutura, estofo e muito dinheiro dos Fundos Partidário e Eleitoral para liderar o pensamento da esquerda no Brasil e carregar com ele outros partidos satélites, por muitos anos. Em 2024 o PT abocanhou R$ 619,8 milhões do Fundo Eleitoral.
O PT lidera grande massa de seguidores que sequer entende o que é ideário partidário. São os fanáticos lulistas e outros milhares que foram beneficiados com benesses, cargos públicos, mordomias e posições de destaque nos governos petistas.
São os deslumbrados que, à época dos primeiros governos petistas, gastavam com regabofes, jatinhos, viagens nababescas, hotéis, bebidas caríssimas e outras inacreditáveis coisas mais.
Nada mudou, entretanto.
Em seu aniversário de 45 anos, o PT vive às voltas com o maior de seus dilemas: readquirir a confiança de trabalhadores e grande parte da juventude que migraram para outras bandas ou ficaram indiferentes, em razão do desmoronamento moral do partido.
A Região Nordeste, principal sustentáculo eleitoral de Lula da Silva, já sinaliza baixa na popularidade do presidente que, preocupado, está mudando a estratégia de comunicação do governo.
Lula da Silva criou a polarização “nós” e “eles”, essa estupidez irritante. Distanciou-se arrogantemente de partidos como PSDB e do então DEM e depois, contraditoriamente, aproximou-se desses segmentos ou do que restou deles. Está aí o conluio com o vice-presidente Geraldo Alckmin, antes impensável diante das acusações mútuas.
O fato é que, com o passar do tempo, o PT foi-se desviando de seu ideário e descambou para a vala comum dos demais partidos comumente inchados de inescrupulosos, aproveitadores, mentirosos e meliantes ávidos por cargos públicos. Muitos deles conseguiram seu intento sob a égide petista.
Outro dilema do PT é a incapacidade de desatrelar-se do morubixaba Lula da Silva. O partido não consegue construir ou vislumbrar outra liderança nacional capaz de substituí-lo e possa assumir a candidatura presidencial em 2026.
O PT é Lula. Sem Lula o PT é uma estátua corroída pelo tempo e pelas más ações do partido.
Vaidoso, Lula da Silva dificulta o caminhar do PT por suas próprias pernas. Ele determina com que e com quem o partido deve seguir para retomar o espaço que jogou para o alto, em razão de ter priorizado as práticas abomináveis de nossa história política.
O exemplo de 2016 gritou fundo nas entranhas do partido. O desempenho do PT nas eleições municipais daquele ano foi um descalabro em todo o Brasil. Em São Bernardo do Campo, berço do partido, o PT sequer conseguiu reeleger vereador um dos filhos de Lula que tinha mandato na Câmara Municipal.
Nas eleições de 2024 repetiu-se o declíneo nas urnas. O partido não sucumbiu graças às alianças com outros partidos.
Inegável é que, com o passar do tempo, o PT se foi desviando de seu caminho sonhado em 1980.
Daí para frequentar às páginas policiais foi um passo, situação que ofuscou o protagonismo do partido e levou alguns de seus dirigentes ao cárcere, numa de suas piores fases.
Deu no que deu: Lula da Silva, sua maior liderança, caiu no despenhadeiro das discussões jurídicas e, seguramente, decepcionou muitos brasileiros que nele acreditavam.
Lula nega seus desvios éticos, mas parece não ser o caso de continuar tapando o sol com a peneira. Os registros da História são implacáveis, indestrutíveis, inapagáveis.
Como dizia San Tiago Dantas, “nada está mais próximo da ingenuidade do que a malícia levada ao extremo”.
Lula levou a malícia ao extremo. Seguirá líder, mas um líder desacreditado por considerável parte da população, inclusive por um grande número de pessoas que antes o admirava.
É difícil para o PT recuperar a credibilidade do patamar anterior aos primeiros governos petistas. Membros do partido serão sempre vistos como raposas no galinheiro.
A presidente nacional do PT parece engajada somente em se desvincular do passado nebuloso do partido. É possível que Lula da Silva lhe dê um prêmio de consolação no ministério e coloque outro na presidência do partido.
Até petistas convictos vêm discordando do discurso piegas da direção do partido. E a direção do partido não sabe mudar de estratégia, ou por escassez de inteligência ou por cara de pau mesmo.
O PT sabe que errou. Entretanto, não pode exteriorizar sua derrocada, para não desencorajar a militância desinformada e admiradores. Faz um discurso inverso, sem base fática, difícil de convencer, às vezes delirante.
Em consequência, a cada dia fica mais escancarado que o PT não prima pela preservação de suas raízes históricas, mas por tudo aquilo que lhe interessa, principalmente dinheiro e poder.
O partido foi ávido por cargos em todos os níveis e posições da República, mas se descuidou de seu maior patrimônio: a ética.
O inventário de 45 anos do PT apresenta um amontoado de resultados abomináveis, entulhos de radicalismo e, sobretudo, falta de compromisso com a ética, que tanto defendeu.
Todavia, o partido não está isolado neste imbróglio de desfaçatez. Estão aí os outros partidos políticos que lhe fazem companhia, igualmente desmoronados sob o ponto de vista ético. São aliados espertos, malandros, velhacos.
A explicação para tudo isto é simples: o PT abandonou a estrada que idealizou e abraçou o fisiologismo, a avidez por posições e cargos, a ânsia pelo poder, o radicalismo, o apoio a ditaduras cruéis, a exemplo de Cuba, Venezuela e Nicarágua.
O PT faz 45 anos amargando algumas realidades.
Nas eleições municipais de 2024, o PT perdeu no principal de seus redutos, o ABC paulista, onde vem encolhendo há tempos. Em Santo André, São Bernardo do Campo (berço político de Lula da Silva), São Caetano do Sul e Diadema, por exemplo, foi derrotado fragorosamente nas urnas.
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