
O escritor e jornalista Ivan Ângelo, mineiro de Barbacena, dizia que os “mineiros mais se interrogam que afirmam”.
É também de Ivan Ângelo: “As montanhas deixam sempre na espreita, cismando, quem virá por trás daquelas serras”.
Sou humilde curaçaense nascido nos barrancos do Riacho da Várzea, nas caatingas de Patamuté e, por óbvio, por não ser importante e tampouco famoso, é compreensível que ninguém esteja interessado em saber onde nasci, o que faz muito bem.
É assunto de somenos. Há coisas mais importantes para as pessoas de Curaçá se interessarem.
No Riacho da Várzea não temos montanhas. Convivemos com cactos, pedras disformes, garranchos, beleza da noite, poeira nas estradas, canto solitário da seriema, o coaxar dos sapos nas cacimbas.
Todavia, quem nasceu lá nunca deixa de amar aqueles barrancos, aquela caatinga, aquele luar, o sol escaldante, aquele sofrimento. Ah! o sofrimento.
O sofrimento nos faz mais fortes, nos conscientiza da humildade e das dificuldades do lugar de onde viemos, afasta a arrogância, ofusca nossas fraquezas e defeitos, suaviza o caminhar.
Entretanto, assim como os mineiros, sou curioso com a vida, costumo interrogar, cutucar, espreitar, ficar afoito ao observar do cotidiano.
Quem virá por trás, não das serras, que não temos lá no Riacho da Várzea, mas das esturricadas estradas e do cantar dos pássaros que enriquecem aquele universo que orgulha todos nós daqueles rincões?
Registro um fato que – confesso – me emocionei. A caminho dos 74 anos, as emoções afloram, as lembranças cutucam, o dizer do tempo sinaliza o caminho da finitude.
Há alguns dias recebi da professora Grace Kelly Evangelista, de Curaçá, anotações do registro da época em que eu era aluno do Colégio Municipal Professor Ivo Braga.
Tratam-se de meus dados pessoais, de minha condição de estudante ginasial. O documento datado de 12 de fevereiro de 1974, dia de minha matrícula, é assinado pela professora Lenir da Silva Possídio, à época Secretária do Colégio e esposa do Dr. Pompílio Possídio Coelho, médico, político – foi prefeito de Curaçá – e professor.
Ambos foram meus mestres, grandes mestres, inesquecíveis mestres, sábios mestres.
Já se vão, por aí, mais de 51 anos.
Conseguintemente, como disse no começo, devo interrogar-me:
O que moveu a conspícua, insigne e dileta professora Grace Kelly Evangelista, que nunca me viu na vida, lembrar-se deste insignificante cronista das caatingas de Patamuté?
Concluo, dentro de minhas pobres e limitadas conjecturas, que se trata tão-somente de consideração, que só as grandes figuras humanas são capazes de cultivar, muito rara nos dias de agora.
A professora Grace Kelly tem raízes fincadas na Coordenação Pedagógica do Colégio Municipal Professor Ivo Braga, estudou na UPE e na UNEB, o que, convenhamos, é uma baita qualificação profissional que lhe dá esteios para sustentar seu mister na educação de Curaçá.
A deferência e lembrança da professora Kelly são inestimáveis, difíceis de esquecer.
Filha de Luís Vieira dos Santos, meu contemporâneo no Ivo Braga que, aliás, lhe deu a base e a educação para que ela afastasse os tropeços do caminho e prosseguisse em busca da alvorada que certamente sonhou e alcançou.
Inobstante os devaneios distorcidos de nossa sociedade e os chutes que levamos nesses tempos de incompreensão generalizada, o mundo ainda vale a pena.
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