
“Não se constrói uma sociedade justa sobre a injustiça, nem se constrói uma sociedade humana destruindo a liberdade humana.” (João Paulo, II).
O ministro Luís Roberto Barroso está deixando o Supremo Tribunal Federal, de livre e espontânea vontade, anos antes da idade limite prevista na Constituição da República.
Confesso que, nalguma quadra do tempo, fui admirador de Sua Excelência o ministro Barroso, quando ele ainda se adequava à condição estrita e respeitável de magistrado.
Inobstante o desvio de rota que ele escolheu no exercício da magistratura, continua merecendo o respeito de todos os brasileiros. Bem ou mal serviu o Brasil.
Entretanto, a presidência do ministro Luís Roberto Barroso à frente do STF deixou um rastro de registros e lembranças ruins que enxovalham a história do maior símbolo da Justiça do Brasil.
O ministro abdicou, por vezes, da nobreza da toga, transformando-se em desnecessário ativista político. Permitiu flexibilizar o entendimento do ordenamento jurídico nacional e, sobretudo, imiscuir-se nos demais Poderes da República.
Mais do que isto, levou o STF a reboque de suas vaidades e de seus colegas, alguns deles igualmente divorciados dos fundamentos que amparam a digna função de juiz.
Foi o período na história do Supremo Tribunal Federal que mais arranhou a Constituição Federal, espezinhou as leis e, sobretudo, desprezou as liberdades públicas.
O devido processo legal virou ficção e o tribunal passou a decidir de acordo com a ânsia de vingança e atabalhoamento de seus subidos ministros que se arvoram únicos e principais defensores da democracia no Brasil.
O conceito de democracia de Suas Excelências permite prender sem provas, espezinhar o direito de defesa, censurar perfis em redes sociais, censurar imprensa (caso da Revista Crusoé, por exemplo), manter ilegalmente inquérito em andamento por mais de seis anos (inquérito das Fake News, por exemplo), suprimir o direito do cidadão comum de ser julgado em instâncias inferiores ao STF e outros arranhões às leis substantivas e processuais.
A máxima “o STF pode errar por último”, atribuída ao jurista Ruy Barbosa, não significa relativizar o erro, normalizar as incongruências, desprezar a segurança jurídica e tampouco elevar-se acima dos ombros dos brasileiros, mormente de quem não tem voz.
À semelhança de despreparados ativistas de palanques, o senhor Barroso passou a usar linguagem avessa à liturgia do cargo, vergonhosamente avessa.
Os exemplos abundam: “Derrotamos o bolsonarismo”, “perdeu Mané, não amola”, “eleição não se ganha, se toma”, dentre muitas que estão por aí, registradas na imprensa.
É bem verdade que sua Excelência procurou se justificar, o que é um mérito louvável, dizendo-se arrependido. Nalguns casos, até negou o destrambelhamento verbal, mas está gravado, não há como negar.
Entrementes, o arrependimento não exclui o arranhão sem volta à nobreza do Poder Judiciário.
Deu-se, nesse período da presidência do ministro Barroso, tudo que não é comum e afigura-se desaconselhável no âmbito do Poder Judiciário.
Ministros se manifestando fora dos autos, dando opinião sobre processos que ainda serão por eles julgados; ministros antecipando entendimento sobre possíveis leis que sequer foram aprovadas no Congresso Nacional e que certamente serão apreciadas e julgadas no STF; ministros afoitos a holofotes, concedendo frequentes e atabalhoadas entrevistas a jornalistas de grandes órgãos de imprensa que lhes lambem as botas diariamente.
Dir-se-á: o juiz, como todos nós, tem falhas, está sujeito a deslizes. Correto. Mas, convenhamos, não fica bem aos olhos da sociedade, por exemplo, ministros do STF, piolhos de festas e shows, microfone em punho, cantando e dançando, como se o Brasil estivesse às mil maravilhas, não houvesse brasileiros passando fome e problemas graves que os preocupem.
Essa conduta foge à liturgia do cargo de magistrado.
Contudo, espera-se que o STF retome sua dignidade como Corte Suprema, ajuste-se ao seu mister constitucional e reabilite o respeito aos brasileiros tão vilipendiados, independentemente da ideologia que professam.
Só assim o STF pode recuperar sua credibilidade seriamente abalada em parte da sociedade e apagar o rastro de sua atuação estapafúrdia e incompatível com o dever precípuo e elementar da Corte.
Não interessa à sociedade se o magistrado é de direita ou de esquerda. Isto, ele e sua consciência resolvem nas urnas. O juiz deve se comportar como magistrado. É o bastante. É o necessário.
A saída do ministro Luís Roberto Barrosa não deixa saudade.
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