Chorrochó: Dorotheu Pacheco de Menezes, Dr. Adauto Pereira e outras considerações

Em princípio, cá entre nós, não costumo meter o bedelho onde não sou chamado.

Entretanto, tendo em vista nota publicada no blog Chorrochoonline e reproduzida em grupos de WhatsApp sobre a opinião de um participante, entendo razoável tecer algumas considerações sobre o assunto.

Não é demais lembrar que Dorotheu Pacheco de Menezes foi o responsável maior pela emancipação político-administrativa de Chorrochó.

Um município que preza sua história – e este parece não ser o caso de Chorrochó – incluiria a data de aniversário de Dorotheu e outras datas importantes do lugar em seu calendário cultural.

Não sou historiador, nem pretendo ser a esta altura da vida, tampouco possuo qualidade para isto, mas tenho dificuldade de entender a indiferença e o descaso com que Chorrochó trata a sua história. Indiferença e descaso inconcebíveis.

Talvez este descaso seja o responsável por informações enviesadas como esta que gerou a comparação entre o ilustre Dorotheu Pacheco de Menezes e o não menos ilustre Dr. Adauto Pereira.

Sobre o Dr. Adauto Pereira já escrevi noutra ocasião. Sertanejo de boa cepa, líder, aglutinador e político respeitado.

Por falta de sensatez política ou por excesso de insensatez cultural, a história de Dorotheu Pacheco de Menezes foi subtraída das gerações subsequentes. E aí, se misturam alhos com bugalhos, como se vê agora.

Foram a luta e o idealismo de alguns antepassados que construíram as condições de Chorrochó de hoje, o que parece óbvio, mas é necessário dizer.

Dorotheu é um exemplo disto. Exemplo claro, inegável, inquestionável, incontrastável. E compreensível, porque ele ocupou a dianteira em prol da emancipação e participou ativamente da luta em benefício de seu povo.

Todavia, não há estímulos para conhecimento da história, não se fazem campanhas incentivadoras e realizam-se somente eventos esporádicos, isolados, pontuais, desidratados de conteúdo duradouro.

Argumentar-se-á que o passado é assunto de museus. Também é, mas isto não exclui o respeito que devemos ter por nossas tradições e nossos antepassados. O passado é a raiz do presente e certamente será do futuro.

Mas vamos ao assunto principal. A história não registra, em nenhum momento, que o ilustre Dr. Adauto Pereira tenha se imiscuído na política de Chorrochó a ponto de aniquilar a influência de Dorotheu Pacheco de Menezes e, por consequência, de seus descendentes e dos seguidores de sua orientação política. Há carência de fundamento fático, lógico e histórico quanto a isto.

Ademais, Dorotheu Pacheco de Menezes não se firmou como “coronel”, mesmo porque sua atuação diferia, essencialmente, do conceito de “coronelismo” adotado pelos estudiosos do assunto.

Ademais, não me parece sensato insinuar que Dorotheu Pacheco de Menezes era partidário da escravatura. Ao contrário, ele incentivava os jovens ao estudo, tanto que criou o Ginásio Oliveira Brito, embrião do Colégio Normal São José, instalou escolas rurais, contratou professores e era defensor entusiasta do desenvolvimento do município. Como se vê, são condutas antagônicas àquelas exercidas pelos senhores de escravos.

Vi-o muitas vezes defendendo emprego para os jovens, mesmo dentro das limitações da época e, como tal, não podia ser protagonista de uma sociedade semelhante à escrava. Qualificá-lo de escravagista é um desrespeito à memória de Dorotheu e um espezinhar ao seu legado histórico.

Dorotheu aproximava-se mais da condição de chefe de clã: “os Pacheco” que, historicamente, evoluíram para “os Menezes” de Chorrochó.  Família respeitável e de caráter irrepreensível.

Em meu livro quase-biográfico Dorotheu: caminhos, lutas e esperanças observo esta diferença tênue entre “coronel” e chefe de clã e tive o cuidado de não ferir o conceito adotado pelos estudiosos do coronelismo nordestino.

As citações sobre “coronel” que fiz no livro tiveram o condão de situar o líder Dorotheu  Pacheco de Menezes no contexto histórico da época.

Escrevi lá: Dorotheu tinha uma liderança contínua, respeitosa e eminentemente voltada para os pobres. Tinha raízes interioranas, tradições e jeito de “coronel”, mas não era.

Insta acentuar que a qualificação de “coronel”, aqui, situa-se mais sob o ponto de vista histórico do que, propriamente, sob o prisma de uma mácula ao chefe político.  Aliás, ser “coronel” no Nordeste significa, até hoje, mais uma condição política do que uma truculência pessoal do líder.

De sorte que nunca é demais repor os meandros da história quando é possível fazê-lo. Neste caso, entendo necessário.

Quanto ao Chorrochoonline, é preciso distinguir a opinião do blog da opinião de terceiros publicada lá. Entendo que o blog fez a citação. É o exercício do direito de informar.

O limite das fronteiras das palavras cabe a quem as pronuncia.

araujo-costa@uol.com.br

 

 

Os construtores de catedrais

A conhecida lenda – parece que espanhola – conta que um rei mandou construir uma catedral. Em visita às obras, passou a fazer perguntas aos operários sobre o que cada um fazia.

Um dizia que quebrava pedras, outro que misturava massa, alguns que cavavam alicerce e erguiam colunas e outros tantos diziam que cuidavam do madeiramento e transportavam o material.

O operário mais jovem de todos empurrava, com dificuldade, um bloco de mármore. O rei insistiu na pergunta:

– E você, o que faz?

A resposta do jovem, eivada de entusiasmo e grandeza, traduziu a nobreza do objetivo:

– Senhor, não vê? Construo uma catedral.

Construir catedrais. Esta a tarefa ingente de todos nós nesta incessante luta pela sobrevivência. Tarefa difícil, desenvolver a capacidade de lutar, sofrer, derramar o suor, tropeçar, erguer a cabeça, erigir a construção em forma de seriedade, caráter, persistência, tenacidade, vontade de vencer.

E não é incomum que algumas vezes o suor se mistura com lágrimas.

Nem sempre atingimos o objetivo que sonhamos, mas o objetivo maior é continuar a luta, antever horizontes e vislumbrar a alvorada, mesmo que distante.

Se, no final da caminhada, não conseguimos construir a catedral, pelo menos trabalhamos na obra.

Avante, sempre!

 

 

A desastrada decisão do desembargador petista

Para o leitor entender que escrevo este texto com absoluta isenção, faço dois esclarecimentos:

Primeiro: quem lê meus artigos sabe que sou contra prisão após condenação em segunda instância, inclusive a de Lula da Silva. Entendo que Lula foi preso em momento inoportuno, porquanto ainda há recursos dele pendentes de julgamento. É o que diz a Constituição da República, embora o Supremo Tribunal Federal tenha firmado jurisprudência contrária.

Segundo: para ajuizar petição de Habeas Corpus não é necessário ser advogado, mas no presente caso, coincidentemente, dois dos três deputados federais petistas que ajuizaram a medida judicial são advogados, embora o tenham feito na condição de deputados e não no exercício da defesa técnica de Lula da Silva, que sabia da estratégia, mas faz de conta que não sabia. É papel da defesa.

Feito os esclarecimentos, lembro que a condição essencial para ser magistrado é ter notório saber jurídico e reputação ilibada.

Quando, em 2011, dona Dilma Rousseff nomeou o senhor Rogério Fraveto desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, talvez se tenha descuidado disto. Reputação ilibada não se discute, ele deve ter, mas saber jurídico ele mesmo demonstrou que não tem.

O hoje desembargador nunca foi juiz, talvez não saiba prolatar uma sentença, mas é amigo de petistas graúdos, foi filiado ao PT durante duas décadas, trabalhou na Casa Civil sob o comando de José Dirceu e, mais tarde, de dona Dilma, no governo Lula da Silva, dentre outros cargos que exerceu nos governos petistas, inclusive em Porto Alegre. Em razão disto, ganhou o honroso cargo de desembargador. Cargo vitalício, diga-se de passagem. Até morrer.

Tristemente, agora ele meteu os pés pelas mãos e enxovalhou o Poder Judiciário, na ânsia de prestar gratidão aos seus ídolos petistas, inclusive Lula da Silva. Há até, na imprensa, demonstração de tietagem com Lula. Chegou a vez da gratidão.

O desembargador Rogério Fraveto rasgou a toga, conspurcou o Poder Judiciário e apequenou-se como magistrado diante da maioria dos operadores do Direito.  Lamentável.

É possível que Sua Excelência não tenha familiaridade com leis substantivas, regimento do Tribunal a que serve e, menos ainda, com o Código de Processo Penal, até porque ele foi advogado de sindicatos e, sabe-se, advogado de sindicato não cuida de direito penal, mas de negociações e normas sindicais e trabalhistas. Certamente é o que ele sabe fazer.

Convenhamos, a culpa não é dele, mas de nossa legislação, que permite que “amigos do rei” sejam nomeados desembargadores e ministros de tribunais superiores, até do Supremo Tribunal Federal, sem nunca terem sido juízes concursados e sequer redigido uma sentença. Não é mesmo, ministro Dias Toffoli?

Dentre outros, o resultado é este vexame protagonizado pelo desembargador Rogério Fraveto, que mancha a história do Poder Judiciário nacional. Ser juiz pressupõe vocação, seriedade, vontade de servir, amor ao Direito.

Ficou claro, neste conturbado pedido de liberdade de Lula da Silva, que houve uma desastrada operação malsucedida: três deputados petistas aguardaram o início do plantão do tribunal e protocolaram o Habeas Corpus exatamente alguns minutos depois, no dia em que o amigo desembargador respondia pelo plantão.

E o desembargador despachou diligentemente, apressadamente, atabalhoadamente. Até dispensou procedimento obrigatório e exigível em caso de soltura: o exame de corpo de delito, fundamental para segurança do preso e do Estado de Direito. A pressa do desembargador para soltar Lula da Silva era grande, inusitada, inexplicável.

Se o desembargador sabia da estratégia é outra história, mas ficou muito feio para ele. Feiíssimo. Primeiro, porque se presume que é amigo de um dos signatários do Habeas Corpus, para quem, em 2006, fez doação para a campanha eleitoral de deputado federal.

Precisa dizer mais alguma coisa?

Entretanto, continuemos. O que sustenta a credibilidade do magistrado e da Justiça é a imparcialidade, o que significa que o juiz decide em obediência à lei e ao direito e não em favor de amigos e pessoas de suas relações pessoais.

Mais do que a ética, as leis processuais dizem que o juiz deve se declarar suspeito, quando processos que caem sob a jurisdição de que é titular envolvem suas relações de amizade.

Risível mesmo foi a fundamentação do desembargador para mandar soltar Lula da Silva: diz que surgiu um fato novo, qual seja, Lula é candidato à presidência da República. Só ele não sabia que Lula é candidato. Sua Excelência não se deu conta do ridículo e, com isto, envolveu o Poder Judiciário nessa malandragem.

Mas o Brasil tem jeito. A Justiça, que não é a do desembargador Rogério Fraveto, mas do Brasil, decidiu a tempo. Honrosamente.

E os direitos de Lula da Silva continuam aí, intocáveis. Sua defesa técnica sabe disto e lutará por eles.

araujo-costa@uol.com.br

Necessidade de um tribunal para prefeitos e vereadores

Minha formação jurídica e o exercício diuturno da advocacia me permitem vislumbrar abusos cometidos na fase inquisitorial, tanto pelas polícias estaduais, quanto pela Polícia Federal, assim como injustificável vaidade de membros do Ministério Público.

Veem-se, quase sempre, perseguições a políticos e detentores de mandatos eletivos, tais como prefeitos e vereadores.

Não são casos isolados, tampouco exceção. É comum, em nome da transparência e do direito à informação, delegados e membros do Ministério Público concedendo entrevistas, expondo nomes e enxovalhando a honra de supostos acusados, ainda sem provas robustas que os incriminem.

Não é novidade que muitos desses agentes públicos gostam de aparecer. Querem tornar-se celebridades. Alguns até comunicam antecipadamente a repórteres e profissionais de imprensa sobre hora e local de prisões de políticos, simplesmente para aparecerem na mídia em rede nacional, com flagrante desrespeito ao texto constitucional.

A sociedade está se degenerando de tal forma que vale mais denunciar qualquer pessoa do que refletir sobre as razões do ato de denunciar.

É assustadora a quantidade de néscios e mentecaptos. E nestes tempos de idiotice e do politicamente correto, há de tudo: denúncias, suspeitas, grampos de telefones, gravações de imagens, acusações de toda ordem, invasões de privacidade do cidadão e uma série de agressões à honra alheia. Tudo impunemente.

Um exemplo claro, claríssimo: o ex-procurador geral da República Rodrigo Janot estendeu tapete vermelho para os donos do grupo JBS e lhes concedeu injustificáveis benefícios em prejuízo do Brasil, não se sabe a troco do quê. Depois se descobriu que seu gabinete, através de um auxiliar de confiança, passava informações privilegiadas para aqueles empresários e ganhava por isto. Rodrigo Janot não sabia?

Como um procurador-geral da República não sabe o que acontece dentro de seu gabinete? Se não sabe é incompetente.

Entretanto, Rodrigo Janot esta aí, com cara de galo. Caiu no ridículo. Certamente tem caroço neste angu.

Casos existem que, quando o processo passa para o âmbito sério do Poder Judiciário, pessoas injustamente acusadas pela polícia e Ministério Público são absolvidas por falta de provas.

E agora? Quem fará o reparo dos danos morais causados em razão do inquérito policial, da denúncia frágil do Ministério Público e da exposição permanente e injuriosa na mídia, inclusive da família do acusado?

Ninguém. Fica o dito pelo não dito. Uma crueldade. Onde está o respeito à dignidade da pessoa?

Deputados estaduais, deputados federais, senadores, governadores de Estado e presidente da República, por exemplo, têm foro privilegiado. Ou seja, são julgados por um colegiado, quase sempre por juízes indicados por eles. São julgados por diversos juízes, as chamadas câmaras dos tribunais e plenário, onde a decisão – absolutória ou condenatória – dá-se pelo voto da maioria, o que não acontece com os prefeitos e vereadores, a não ser em grau de recurso.

Já que existem os tribunais de contas para julgar, no âmbito civil, as contas das prefeituras e câmaras municipais, como é o caso dos tribunais de contas dos municípios, por que não se criam foros específicos para julgarem prefeitos e vereadores sobre eventuais crimes cometidos no exercício da função?

Prefeitos e vereadores do interior estão vulneráveis, desprotegidos, até sujeitos a perseguição mesquinha de adversários locais pequenos de mente estreita.

Poder-se-ia criar, em cada Estado, um tribunal regional, com competência originária para apreciar processos ajuizados contra prefeitos e vereadores.

O que não é compreensível é o fato de detentores de mandatos estaduais e federais serem julgados por tribunais e prefeitos e vereadores, não obstante também detentores de mandatos eletivos, serem julgados por juízes singulares e, somente em grau de recurso, por colegiado.

Privilégio para uns e discriminação para outros. Onde estão as associações de municípios que não pugnam para fazer mudar essa situação?

Uma emenda constitucional resolveria a questão. Resta saber qual o congressista capaz de tomar uma iniciativa destas e levá-la adiante. Talvez nenhum.

O fato incontestável é que prefeitos e vereadores estão em desigualdade com os demais detentores de mandatos eletivos. Isto precisa mudar.

araujo-costa@uol.com.br

 

 

O político agricultor

Sebastião Augusto de Souza Nery, baiano de Jaguaquara, jornalista, filósofo, advogado e escritor, a maior autoridade no Brasil em folclore político, conhece tudo de política, dos políticos e de cultura política.

Deputado estadual na Bahia (1963-1967) pelo Movimento Trabalhista Renovador (MTR), cassado em 1964 e deputado federal (1983-1987) pelo PDT do Rio de Janeiro, Sebastião Nery talvez não conheça todos os cafundós do Brasil, mas certamente já visitou a maioria dos municípios brasileiros, seus distritos, vilas, povoados, arruamentos e etc.

Sai de cada um deles com uma história na cabeça e farto material de pesquisa na mão, além de fatos, versões e testemunhos. E retrata, a partir daí, com impressionante fidelidade, o viver dos homens públicos, a sabedoria interiorana. Faz isto há décadas.

O presidente Jânio Quadros, nos momentos de descontração, quando se referia ao jornalista costumava dizer: “o Nery, que foi quase bispo…”, recordando que Sebastião Nery estudou no Seminário Menor de Amargosa e no Seminário Maior, em Salvador. Depois trocou a expectativa da batina pelo mundo e seu deu muito bem. E a Igreja Católica perdeu uma grande inteligência.

Nos seminários, possivelmente, está a base de sua vasta cultura. Conhece o mundo, conhece o Brasil, conhece sua aldeia. E é um profundo conhecedor da natureza humana.

Em um de seus bem elaborados textos, não me lembro exatamente qual, mas o tenho guardado em arquivo e peço venia para interpretá-lo, ele conta a história de um sujeito do interior de São Paulo, líder respeitável no lugar, que abandonou a política de repente, por razões desconhecidas. Um segredo que nem seus mais chegados amigos conseguiram descobrir. Desapareceu. Escafedeu-se.

Anos depois, um de seus amigos o encontrou, casualmente, numa penitenciária e quis saber por que ele estava ali. Eram amigos. Conversa vai, conversa vem, contou a história:

– “Comprei uma fazenda e fui cuidar de agricultura. Estava dando tudo certo, mas os passarinhos comiam folhas e sementes em minha plantação e começaram a voar de costas, todos de costas”.

“Os vizinhos acharam aquilo muito estranho e passaram a comentar nas praças da cidade, adjuntos, feiras, qualquer lugar, que em minha fazenda as aves estavam doidas, voavam de costas. Um dia a polícia apareceu por lá”.

– E daí?

– Daí, a polícia descobriu que eu estava plantando maconha.

Pode ser folclore, pode ser ficção, pode ser conversa mole de tabaréu do interior fazendo cigarro de palha. Mas, folclore ou ficção, pode servir como lição para quem quer tudo muito fácil e a vida não é fácil.

Lembro os escândalos de corrupção que estão surgindo no Brasil com frequência, a história de todos eles e os homens envolvidos, até então respeitáveis homens públicos.

Esses homens públicos precisavam passar por isto? Evidente que não. Há outras formas de fazer política e de respeitar a coisa pública.

araujo-costa@uol.com.br

Na Bahia, o governador vai criando seu estilo.

Nem com o suposto apoio de Lula da Silva que, não obstante preso, dá as cartas para meio mundo político, a senadora Lídice da Mata conseguiu as bênçãos de Rui Costa para compor a chapa majoritária do governador nas eleições de outubro. Contentou-se com a costura política do governador e, parece, vai disputar uma vaga de deputada federal, com elevadas e seguras chances de ser eleita.

O Senado Federal vai-se distanciando de Lídice e se aproximando de Ângelo Coronel, baiano de Coração de Maria.

Lídice da Mata comanda – ou pensa que comanda – o Partido Socialista Brasileiro (PSB), historicamente rico, mas politicamente fraco, que não tem cacife para bancar sozinho sua reeleição ao Senado da República, o que lhe obrigou a ajoelhar-se diante do governador, para ouvir que ela não pode e não deve integrar a chapa majoritária dele.

Partido político no Brasil é uma excrescência estruturada para amparar falcatruas e conchavos de seus dirigentes. Só isto. Isoladamente se dilui ao vento e nada representa.

Sozinho o PSB da Bahia e nada é a mesma coisa.

Oriundo da Esquerda Democrática, o PSB foi fundado em 1947, extinto em 1965 pela ditadura militar e recriado em 1985. Até lá se podia dizer que era um partido político sério. Tinha nomes respeitáveis, tinha ideais. Hoje é tão-somente um arcabouço jurídico-político igual às demais agremiações que dizimaram o Brasil.

A cachoeirana Lídice, nascida às margens do Rio Paraguaçu, que já foi filiada até ao PSDB, partido que ela hoje abomina, sempre foi aliada histórica do PT, mas esse quiproquó baiano prova que político não tem convicção, mas interesse. E o interesse de Lídice da Mata hoje diverge, por enquanto, do interesse do governador Rui Costa. Por enquanto.

Nessa costura política que antecede às eleições de 2018, Rui Costa vem construindo seus alicerces eficientemente e priorizou o padrinho político Jaques Wagner, que tem eleição garantida ao Senado e também o deputado Ângelo Coronel, que deve também disputar uma vaga ao Senado em detrimento de Lídice da Mata.

Priorizar é modo de dizer. Jaques Wagner precisa eleger-se, para angariar foro privilegiado, vez que algumas ventanias oriundas da Lava Jato parece que estão vindo em sua direção.

Entretanto, com o tempo esta divergência política vai dar em nada. O resultado é previsível. Rui Costa e Jaques Wagner chamarão Lídice e lhe oferecerão alguns cargos para sua esteira de apoio e ficará o dito pelo não dito.

Na Bahia, tudo é possível, até passarinho engolir cobra.

araujo-costa@uol.com.br

Chorrochó: José Juvenal e a saudade que não pode esperar

Completar-se-á mais um ano que não vemos José Juvenal de Araujo na festa dos vaqueiros de Chorrochó.

Completar talvez não seja a expressão apropriada, porque a saudade não se completa nunca. Ela deixa sempre um vazio cruel, inominável, inarredável, que não há como preencher.

Preenche-se o vazio com outro vazio mais profundo, mais dilacerante, nunca a saudade.

Não falo de José Juvenal de Araujo político, tampouco do prefeito, do homem do povo. Este, todos já conhecem e dele já falei muitas vezes em artigos, crônicas, opiniões, textos longos e até, em certas vezes, incompreensíveis para quem lê.

Falo de Zé Juvenal amigo, sorriso franco, alegre, encantador, brincalhão, respeitador, prestativo e presente na vida de cada um de nós, que com ele convivemos.

Refiro-me a Zé Juvenal da adolescência, das saudosas manhãs ginasianas do Colégio Normal São José, dos encontros no Bar Potiguar, do alegre cair da noite nas ruas de Chorrochó.

Falo dos encontros boêmios, das conversas ingênuas e inofensivas. Situo-me numa quadra do tempo em que Chorrochó ainda apreciava o luar das serenatas, luar que hoje ignoramos.

Falo de Zé Juvenal das Caraíbas, admiravelmente atencioso com a mãe Bela e o pai Oscar, acolhedor, presente na vida de todos da família e do lugar.

Falo de Zé Juvenal construtor de amizades cordiais e amigos perenes, especialista neste particular. Falo de Zé Juvenal amigo, de presença sempre desejável. Cadê você, Zé?

Deste Zé Juvenal, a saudade não tem tempo de esperar para dizer. Diz a todo o momento, no entrelaçar das recordações e no inevitável das lágrimas.

Este Zé Juvenal não cabia em sua própria bondade, extrapolava-se em si mesmo para acolher amigos, parentes, conhecidos. Como Zé gostava de gostar dos amigos, dos tabaréus, dos humildes!

O Zé Juvenal que ainda amamos – e amaremos sempre – era assim: demais. Demais até demais. Tinha o coração generoso, a ternura visível, a essência da sinceridade, a solidez do acolhimento, a espontaneidade do abraço.

Mas este Zé Juvenal se foi. Podia ter ficado mais, podia ter enrolado um pouco para tomar o rumo da distância, a distância infinita da eternidade. Podia ter sentado no começo do caminho e combinado outra data para a partida.

Gostaríamos de continuar ouvindo suas piadas, seus “causos” engraçados e sua conversa mansa, cordata, agradabilíssima.

Zé Juvenal deixou família, amigos, parentes, admiradores, conhecidos. E deixou a marca de sua passagem por aqui, deixou a lembrança da convivência, deixou o indizível da saudade.

Os anos passam, mas é difícil passar a saudade de Zé Juvenal. Nunca passará.

Deste Zé Juvenal, dentre todas as lembranças que não esqueço, lembrarei sempre de uma pergunta generosa, altiva, sincera, que ele sempre me fazia: “Como vai, primo?”.

araujo-costa@uol.com.br

 

A inteligência de Lula da Silva e o STF

Lula da Silva pode ter uma infinidade de defeitos. E certamente tem.  Defeitos que sabemos que ele tem, defeitos que supomos que ele tem e outros tantos defeitos que nunca vamos saber que ele tem.

Entretanto, Lula da Silva tem uma qualidade que não podemos negar: a inteligência.

Estrategista sempre, às vezes se finge de morto, quando lhe interessa, mas continua atuando sorrateiramente, como fogo em entulho. Ademais, ele conta com uma rede de apoio, que vai da base até o topo da pirâmide social e política do Brasil. São seus adeptos, súditos, admiradores, asseclas, amigos, pessoas gratas, et cetera.

Todavia, data venia, a inteligência de Lula da Silva está falhando num ponto: ele gasta fortunas, a título de honorários, para uma equipe de respeitáveis e eficientes advogados, que atuam em diversas frentes, em sua defesa. Não precisa.

Todos os seus recursos e inconformismos irão parar no Supremo Tribunal Federal, inarredavelmente. O STF os apreciará na ocasião oportuna. E lá Lula da Silva tem abalizadíssimos advogados: alguns ministros da Corte.

Lá ministros têm construído entendimentos mirabolantes, deixam de lado o Direito – “a lei, ora a lei” – e tomam decisões ao sabor de suas tendências políticas.

A puríssima e correta ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo, diz que isto não existe no Tribunal. Ah, bom!

Lula da Silva está calmo. Ele sabe que o caminho que o leva a seus advogados supremos está sendo forrado de agradáveis expectativas e certezas. E não vai errar.

araujo-costa@uol.com.br

 

Quando a gratidão está acima do Direito.

O Supremo Tribunal Federal vem passando por evidentes sinais de esquizofrenia em suas decisões.

Talvez por isto, o STF seja a única Corte Suprema do mundo na qual a sociedade – ou parte dela – não acredita e que alguns de seus ministros se escondem nos aeroportos com receio de vaias.

Em Brasília, até criaram um sistema privativo de embarque de Suas Excelências, para não serem vistos pelos demais mortais comuns que frequentam o aeroporto presidente Juscelino Kubitscheck.

Em 26/06/2018, a Segunda Turma do STF composta de cinco ministros, dentre outras decisões esquisitas, mandou soltar o ex-ministro José Dirceu de Oliveira e Silva, em decisão esdrúxula, confusa, embasbacada.

A decisão da maioria da Turma se portou totalmente conflitante com entendimento firmado pelo plenário do próprio Tribunal, que decidiu pela decretação de prisão após condenação em segunda instância, mesmo havendo recursos pendentes de julgamento.

O ministro Dias Toffoli, visivelmente atabalhoado, liderou o argumento de que mandava soltar José Dirceu, porque o mérito de recurso impetrado pelo ex-ministro ainda está pendente de julgamento.

Ou seja, Toffoli afirmou o que todo mundo já sabe: a prisão do condenado somente pode acontecer quando esgotadas todas as fases recursais, embora a esquizofrenia do STF tenha firmado jurisprudência contrária.

Dias Toffoli tomou uma decisão na base do é, mas não é, que foi seguida pela maioria. Mandou soltar José Dirceu, mas assegurou que não questionava, em nada, a prisão em segunda instância, o que dá no mesmo. Se José Dirceu estava sendo posto em liberdade porque o mérito de recurso interposto por ele ainda não foi julgado, o caso é semelhante ao de Lula da Silva e de outros milhares de presos na mesma condição, inclusive aproximados quatorze mil deles só em São Paulo.

Mais esquisito ainda foi o ministro Dias Toffoli dizer que mandava soltar José Dirceu de ofício, porque o mérito do recurso vai demorar muito para ser julgado.

Ora, mas a demora não se dá também com relação aos demais presos? Então, expeçam-se alvarás de soltura para todos eles, com base na demora do Judiciário em julgar recursos penais.

Pois bem, a Segunda Turma do STF decidiu soltar José Dirceu, em decisão de oficio, ou seja, não havia pedido da defesa nos autos neste sentido, mas a Turma decidiu colocá-lo em liberdade.

Salvo melhor juízo, o pedido da defesa era sobre aplicação da pena e não pedido de liberdade.

Qualquer acadêmico de Direito conhece a máxima: “o que não está nos autos do processo não está no mundo”. Logo, o juiz não pode decidir sobre fato não constante nos autos. Todavia, o ministro Toffoli decidiu e mais dois ministros o seguiram.

Em resumo: a gratidão do cidadão Dias Toffoli falou mais alto do que a convicção do juiz Dias Toffoli.

José Dirceu foi patrão de Dias Toffoli, o PT e a CUT foram patrões de Dias Toffoli, José Dirceu influiu na nomeação de Dias Toffoli para advogado-geral da União e depois para ministro do Supremo Tribunal Federal.

Neste caso, evidente que a gratidão está acima da Ciência do Direito. No Poder Judiciário dizem que isto não existe.

Ser grato é uma qualidade exemplar. Sentimento nobre, isto não se discute. É subjetivo, inalcançável, inatingível.

Mas, já que é assim, a gratidão que beneficiou José Dirceu deveria beneficiar também os milhares de presos que se encontram na mesma situação.

Os livros de Direito e o Poder Judiciário dizem que a Justiça é igual para todos.

O humorista diria, “me engana que eu gosto!”

araujo-costa@uol.com.br

 

Bahia: a última batalha de Waldir Pires (1926-2018).

Waldir Pires/Crédito da foto: Câmara dos Deputados

Nesse 22 de junho de 2023 completam-se cinco anos da morte de Waldir Pires, data em que a democracia do Brasil perdeu um de seus maiores esteios e sustentáculos.

Quando Waldir Pires disputou o governo da Bahia em 1986 abriu um comitê na Avenida Sete de Setembro, no edifício da antiga Farmácia Caldas, em Salvador.

Naquele endereço aconteciam reuniões, articulações, definições estratégicas, composições políticas, etc. Era o quartel-general da democracia.

Para lá acorriam políticos, admiradores e esperançosos em geral, com o intuito de fazerem a mudança do statu quo implantado pelo carlismo que perdurou décadas.

Duas qualidades de Waldir, dentre muitas: a combatividade e a retidão de caráter. Homem de convicções admiráveis defendia arraigadamente o ideário que sempre sonhou para o Brasil. Era viciado em democracia.

Waldir Pires disputou a eleição de 1986 tendo como adversário principal o jurista e professor de direito constitucional Josaphat Marinho, apoiado pelo poderoso Antonio Carlos Magalhães (ACM), líder político incontestável na época. Waldir ganhou a eleição, beneficiado pelo alvoroço democrático. O que veio depois é outra longa história.

Na década de 1950, aos 24 anos de idade, Waldir Pires foi secretário do governo Régis Pacheco e, mais tarde, deputado estadual, deputado federal e Consultor Geral da República na presidência de João Goulart.

Esta primeira fase de sua atuação política anterior ao movimento de 1964 foi auspiciosa, rica, valiosa.

Antes, Waldir havia disputado e perdido as eleições de 1962 ao governo da Bahia para o dentista e ex-prefeito de Jequié, Antonio Lomanto Júnior (1924-2015).

Com a queda do presidente João Goulart, Waldir e seu amigo Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil do governo Jango, fugiram num avião monomotor para o Uruguai. Lá ele viveu alguns anos e depois se exilou na França.

Com a anistia, terminou a amargura e voltou ao Brasil. Na França, foi professor na Universidade de Dijon e depois na Universidade de Paris.

No pós-exílio, além de governador da Bahia e parlamentar, Waldir foi ministro da Previdência, ministro do Controle e da Transparência e também da Defesa.

Todavia, Francisco Waldir Pires de Souza estava com 91 anos. Nascido em Acajutiba, passou a infância em Amargosa e mudou-se para Salvador. Daí, Waldir saiu para o mundo da grandeza democrática. O despontar para o amanhecer político – dizia ele – se deu em Nazaré das Farinhas. 

Sua história de luta e coragem é um exemplo para aqueles que desejam um Brasil melhor para todos.

Mas a memória de Waldir já dava sinais de cansaço, embora lúcido, ativo, atento às coisas do Brasil. Sua combatividade, entretanto, vinha perdendo o vigor desde 2016, término do mandato de vereador de Salvador.

A esposa D. Yolanda Avena Pires, com quem viveu 55 anos e foi sua companheira de vitórias e infortúnios, faleceu em 2005. Mas Waldir continuou lutando em defesa de suas convicções democráticas.

Em 1986, seu amigo de exílio e da vida, Darcy Ribeiro escreveu: “Waldir tem panca e ideologia de estadista. Seu propósito é, nada menos, do que passar o Brasil a limpo”.

Waldir Pires recolheu-se à sua última trincheira, o mundo da velhice. A derradeira e altiva batalha que travou.

Waldir faleceu na madrugada de 22/06/2018. Deixou um legado de esperança e combatividade em favor do Brasil. Exemplo para todas as gerações.

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