A carta data de 24/04/2002 – já se distanciam 23 anos – e vinha da Avenida Adolfo Viana, centro da sanfranciscana Juazeiro da Bahia.
O remetente era Sua Excelência Reverendíssima D. José Rodrigues de Souza, da Congregação do Santíssimo Redentor, bispo da diocese de Juazeiro. Em documento à parte, a notícia do recebimento da 14ª Medalha Chico Mendes de Resistência que lhe havia sido concedida.
Naquele tempo ainda se escreviam cartas e amigos completavam nosso existir.
Mas vamos ao contexto.
Este escrevinhador havia lançado em 2000 o livro Dorotheu: caminhos, lutas e esperanças, uma quase biografia – e somente quase – do líder político de Chorrochó. Mandei um exemplar para D. Rodrigues, então presidente da Academia Juazeirense de Letras. E não só por isto. Mantínhamos frequentes contatos.
Conhecíamo-nos desde meus tempos de Curaçá, de suas primeiras andanças como sucessor de D. Thomás Guilherme Murphy e dos Cursilhos de Cristandade da diocese de Juazeiro.
O redentorista D. Rodrigues, sempre atencioso, acusou o recebimento do livro e, como de costume em nossas conversas, acrescentou uma referência à política de Curaçá.
D.José Rodrigues de Souza/Reprodução Instituto Humanitas Unisinos.
Naquele tempo, não havia o radicalismo político de hoje. Éramos tão-somente situação e oposição e fazíamos política civilizadamente, sem ofensas a quaisquer pessoas. Por óbvio, escolhíamos nossos preferidos nas urnas, como sempre mandaram os princípios democráticos.
Lula da Silva, já messiânico, firmava-se como liderança nacional e arrebanhava eleitores e não fanáticos como nos dias de agora.
D. José Rodrigues dizia na carta sobre o Curaçá da época: “Salvador Lopes está fazendo uma boa administração, embora boicotado pelo PSDB que, na Bahia, é oposição”.
Quanto a Salvador Lopes, o assunto surgiu porque, noutras datas e de forma amiúde, conversávamos sobre o político de Curaçá e a situação do município como um todo.
No mais, a carta por si só se explica.
Como não há, na missiva, nenhum assunto confidencial ou que possa arranhar a memória de D. Rodrigues, publico-a integralmente, como documento histórico.
Talvez interesse à História de Curaçá, mormente como testemunho da visão de D. Rodrigues sobre o período de Salvador Lopes Gonsalves à frente da Prefeitura do município.
Em 24/08/2017, publiquei esses fragmentos sobre a memória de Patamuté.
Reproduzo-os, agora, com o intuito de reviver o tempo, as amizades, a vida da então pacata Patamuté.
Esta foto é de Cota de Rita (Maria do Nascimento), figura conhecidíssima em Patamuté. O crédito da foto é da Missão Geológica Alemã (MGA) e foi publicada no “Relato de uma viagem”, elaborado pelo Serviço de Imprensa da Embaixada da Alemanha no Brasil.
Cota de Rita/Crédito: Missão Geológica Alemã, Patamuté, 1969.
A Missão Geológica Alemã (MGA) esteve em Patamuté estudando o solo no Sítio de Chicó, com vista à prospecção de cobre, em parceria com a SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste).
A publicação é de 1969.
O Jornal Folha de S. Paulo enviou o correspondente especial Pedro D’Alessio à região, que publicou brilhante reportagem na ocasião.
Pedro D’Aléssio retratou o Patamuté da época e o viver de nossa gente simples e alegre.
A missão instalou equipamentos para sondagens profundas no Sítio de Chicó e registrou algumas imagens de Patamuté. Chicó era irmão de Antonio Ferreira Dantas Paixão, líder político e comerciante em Patamuté.
A família Paixão é numerosa e muito respeitada em Patamuté e adjacências.
Como estou me referindo a memória, devo registrar que catei muito umbu no lugar conhecido como serrote, em companhia de Cota de Rita e outros jovens amigos de Patamuté.
Ao amanhecer, atravessávamos o Paredão e dividíamos com as cabras de Israel Henrique de Souza os umbus orvalhados caídos ao chão.
Cota de Rita era inteligente e admirável. Sua dignidade era impressionante. Guardei muitas de suas lições acerca de como viver naquele mundo de dificuldades sem ajoelhar-se diante dos obstáculos.
Ferrenho opositor do presidente Getúlio Vargas, grande e inconteste liderança da UDN (União Democrática Nacional), o político, escritor, jornalista e tribuno CarlosLacerda publicou contundente artigo em seu jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro:
“O senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar. ”
Getúlio Vargas disputou a eleição, foi eleito, tomou posse e governou até suicidar-se em agosto de 1954, por culpa de Carlos Lacerda, segundo historiadores.
Desgraçadamente, a situação se parece com o Brasil atual, que vai desembocar na eleição presidencial de 2026.
Não é difícil conjecturar, embora com razoável antecedência que, se qualquer candidato da direita derrotar Lula da Silva em 2026, alguns ministros do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, que se arvoram donos do Brasil, com ou sem êxito, tudo farão para impedir a ascensão da direita ao poder.
Eles veem deixando isto muito claro, aliás claríssimo, em decisões tomadas somente – e tão somente – desfavoráveis à chamada direita, o que tem sido feito desde 2022.
A esquerda pode tudo, inclusive descumprir a lei. A direita nada pode. Aliás, ninguém pode descumprir a lei, nem a direita e nem a esquerda.
Parte da sociedade está silente – embora perplexa – ou não entende a gravidade do momento político.
O Supremo Tribunal Federal se transformou em comitê político. Lamentável e abominável comitê político.
O ativismo político do Supremo Tribunal Federal envergonha a todos os brasileiros que até aqui ainda acreditam na Justiça. Quem não acredita, nunca acreditou. É outra história.
Eu acredito. Na condição de operador do direito e de cidadão que obedece rigorosamente a Constituição da República, ainda acredito, continuo acreditando.
Esperamos que todos continuem acreditando.
Este estado de coisas esdrúxulas não pode acontecer a favor da esquerda, tampouco a favor da direita.
Vivemos em tempo de caos político-jurídico e de desfaçatez moral.
Vergonha para o Brasil e sua História.
Post scriptum:
Há um processo no Tribunal Superior Eleitoral contra o governador fluminense Cláudio Castro (PL). Estava mofando nas gavetas do Tribunal. Bastou a operação policial contra os traficantes determinada pelo governador do Rio e as pesquisas mostrarem o apoio da população ao governador de direita, para a presidente do TSE desengavetar o processo.
Imediatamente a relatora votou favorável à cassação e inelegibilidade do governador, o procurador concordou e colocaram o julgamento em pauta, embora um ministro sensato tenha pedido vista.
Há mais clareza de perseguição política à direita?
Recebo de Curaçá, através de gesto atencioso de minha sobrinha Gilmara, as fotos que ilustram este texto.
Datam, uma e outra, primeira metade da década de 1980 e janeiro de 1975.
À esquerda José Araújo Costa ao lado de Sátira Araújo Costa e alguns amigos
Essas imagens retratam minhas origens: a casa de taipa na caatinga da Fazenda Estreito, Riacho da Várzea, distrito de Patamuté, município de Curaçá.
Veem-se meu irmão José Araújo Costa (Zé de Sátira), minha mãe Sátira Araújo Costa com um rádio e alguns generosos amigos nossos.
Dia de construção, de festa, de alegria.
Assim como os ricos fazem em suas monumentais construções, nós pobres, também fazemos puxadinhos em casas de taipa. Aí a prova, o registro, a lição de felicidade.
Na outra foto, apareço eu e um amigo ao lado (não lembro o nome), em Curaçá, tarde no Rio São Francisco. Sempre gostei da solitude e um pouco de solidão. Ambas me fazem refletir, aparar as arestas das incompreensões, entender melhor as pessoas, diminuir a arrogância.
Walter Araújo Costa, 02 de janeiro de 1975, em Curaçá
A idade traz as lembranças – inevitáveis e saudosas – mas também dá a certeza da longa caminhada.
Clube de Patamuté em foto de abril de 2023/crédito: professora Maria Clésia Gomes de Sá.
Em 13 de junho de 1968 deu-se a fundação da Sociedade 13 de Junho de Patamuté.
Conforme o artigo 1º, dos Estatutos Sociais, a sociedade tinha como objetivo: “promover o desenvolvimento cultural e artístico da terra, na média do possível para o seu engrandecimento moral e intelectual, bem como auxiliando a todas as organizações locais, como o mesmo fim”.
Segundo o artigo 2º, dos Estatutos Sociais, a sociedade também tinha como objetivo “promovssser reuniões culturais e artísticas, manter uma biblioteca e pugnar pelo progresso e pelos interesses sociais e culturais do distrito de Patamuté”.
A primeira Diretoria foi assim constituída:
Presidente: Adonai Matos Torres
Vice-Presidente: Manoel Brandão Leite
1º Secretário: Mario Mattos Lopes
2º Secretário: José Mendes Fonseca
Tesoureiro: José Gomes Reis Filho
Portanto, há cinquenta e sete anos, alguns homens de Patamuté sonharam com o desenvolvimento do lugar, não obstante as precariedades conhecidas.
As festas dançantes daquele tempo realizavam-se nas dependências do Prédio Escolar (Escola Estadual de Patamuté) na saída para o Paredão.
Daí os fundadores da Sociedade 13 de Junho vislumbraram a necessidade de um clube social para reuniões e bailes.
Embora não seja historiador, guardo um exemplar dos Estatutos da Sociedade 13 de Junho de Patamuté, fundada em 1968.
Mais de cinco décadas depois, já abraçado à velhice, continuo abestado, revivendo sonhos que não consegui vê-los realizados e escrevendo sobre assuntos que pouco ou nada interessam a quem lê.
Hoje qualquer papel estrutural em benefício de Patamuté cabe aos jovens, já que as gerações passadas nada conseguiram, inclusive a minha. Aliás, minha geração fracassou em quase tudo.
Confesso – mais que confessar, reconheço – que minha geração fracassou quanto ao soerguimento de Patamuté, quer sob o ponto de vista social, quer sob o prisma político e cultural.
A situação econômica de Patamuté é outra história. Sempre necessitou de políticos visionários que Curaçá e Patamuté tiveram dificuldade de produzir.
Há algum tempo, a população de Patamuté se uniu com vistas à reforma do Clube de Patamuté que a reiterada ausência de condições o colocou à beira do desmoronamento.
Clube de Patamuté em foto de outubro de 2023/crédito: professora Maria Clésia Gomes de Sá.
Patrimônio da comunidade local, o clube vem passando por reforma, resultado de iniciativa, esforço e contribuição de alguns abnegados filhos, moradores e amigos de Patamuté.
Clube de Patamuté em foto recente/Crédito: Professora Maria Clésia Gomes de Sá
Se o Clube de Patamuté fosse uma instituição pública, talvez nem houvesse mais escombros, a exemplo da Escola Estadual acima referida. O descaso dos políticos já teria dizimado.
Nesta quadra do tempo, a esperança repousa na juventude de Patamuté e nos seus professores, baluartes da terra e sustentáculos de seus sonhos. Somente eles são capazes de delinear novos horizontes para o lugar.
A Sociedade 13 de Junho não se sustentou. O Clube de Patamuté, resultado dela, tenta levantar-se.
No exercício do jornalismo, o sigilo da fonte é preservado no artigo 5º, inciso XIV, da Constituição da República.
Presidente Lula da Silva/Agência Reuters
Há sempre uma dúvida neste conturbado tempo de inversão de valores, politicagem, insensatez e extremismo político.
O ministro da Justiça disse que Lula da Silva ficou “estarrecido” com a operação contra traficantes no Rio de Janeiro (O Globo, 29/10/2025).
Não ficou claro se Sua Excelência se estarreceu com a operação policial em si ou porque o governo do Rio dizimou algumas dezenas de delinquentes do tráfico que Lula diz “vítimas dos usuários de drogas”.
Se, em razão da operação policial, há inocentes entre os mortos, isto deve ser rigorosamente apurado na forma da lei e punidos os responsáveis por eventuais excessos. Uma obviedade gritante.
Causando estarrecimento ou não ao presidente ou a qualquer pessoa, mortes devem ser evitadas, não podem acontecer, sejam de traficantes ou de inocentes, de ninguém.
O Estado não deve matar, em nenhuma circunstância.
Deve processar, julgar e punir de acordo com as leis penais. E as leis penais do Brasil, por óbvio, não autorizam o extermínio.
Entretanto, minha ingenuidade não me impede de entender que, em certas situações de perigosos confrontos entre delinquentes e forças policiais, mortes são inevitáveis dos dois lados ou, no mínimo, uma possibilidade de acontecer.
Contudo, devemos dar um desconto nas falas de Lula da Silva. Nem sempre – ou quase sempre – Lula deve ser levado a sério.
Lula fala asneiras desde os tempos de sindicalista em cima de caminhões em São Bernardo do Campo.
Ocorre que, hoje, ele é presidente da República. Não pode falar de improviso tudo que lhe vem à cabeça, porque há a liturgia do cargo que é incompatível com disparates.
Com uma agravante: a senilidade já lhe bate à porta, chegou a fragilidade em razão da idade e do cansaço, da agenda cheia, dos compromissos inadiáveis, do peso da responsabilidade em razão do cargo.
A presidência da República precisa de um porta-voz para falar o que o governo entende como necessário, prestar contas à sociedade e poupar o presidente de vexames.
O presidente da República deve falar somente em ocasiões especiais, para evitar ruídos, críticas e interpretações arrevesadas.
Lula precisa descer do palanque e governar. Campanha eleitoral se faz na ocasião própria e não todos os dias.
Animal político, Lula não consegue separar a política partidária, às vezes mesquinha, do nobre exercício da presidência da República.
“Chegando aqui, que surpresa! Olhando para trás, que deserto!” (Tristão de Atayde, 1893-1983)
Desde jovem, costumo guardar cartas, cartões, convites, recordações, bilhetes.
De vez em quando mexo, remexo-os, procuro sinais de amigos que valeram ou valem a pena tê-los conhecido.
Outubro de 1983, São Caetano do Sul. Já se passaram 42 anos.
Eu trabalhava na Matriz Publicidade, empresa do Grupo J. Zetune – 3 Irmãos, na Rua Manoel Coelho, centro da bela e pujante cidade do ABC paulista.
Em viagem à Itália, Maurízio, que também trabalhava no J. Zetune, mandou um cartão, presumivelmente de algum ponto turístico famoso. Imagem bonita, histórica, muitas escadarias.
“Não é só nos 3 Irmãos que é um tal de subir e descer escadas”, escreveu ele.
Para alcançar o andar da Matriz Publicidade subíamos alguns lances de escada, em vai e vem diário.
Nunca esqueci a lembrança e a analogia com nosso local de trabalho.
Meu chefe na Matriz Publicidade era Laudney Miolli, então superintendente comercial do Grupo 3 Irmãos, conspícuo paulista do município de Adolfo, hoje escritor renomado e vivendo rodeado de amigos lá para as bandas de Indaiatuba.
Laudney é autor de Palavras Rimadas, um primor de livro muito bem recebido pela crítica.
Tenho saudade daquele tempo de muita luta e sonhos.
Em idade septuagenária, o caminho já se faz pedregoso e os horizontes exíguos e incertos. As lembranças cutucam.
Vista parcial do Forum Dr. Olinto Lopes Galvão Filho, de Chorrochó-BA/Reprodução Google
“A justiça é como uma serpente, só morde os pés descalços.” (Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, 1940-2015).
O Tribunal de Justiça da Bahia não é o que se pode chamar de bom exemplo no que tange ao exercício de amparo aos mais desvalidos.
À semelhança de um maestro, o Tribunal de Justiça baiano rege a orquestra de costas para o público.
Em data não muito distante, o TJ-BA frequentou noticiário vergonhoso ao ser atingido por lamentáveis escândalos protagonizados por alguns de seus excelentíssimos magistrados, o que é sobejamente conhecido e dispensa repetições.
Em data mais distante – 2019 – o noticiário dava conta de compra desnecessária de aparelhos de ar condicionado, altos salários de servidos e penduricalhos tais incompatíveis com a realidade da Bahia e de seu povo.
A Bahia é um Estado pobre que não ampara vaidades de membros do Judiciário.
O Blog Chorrochó em Foco, iniciativa louvável e pioneira da batuta do chorrochoense Eloy Neto, publicou que o Forum de Chorrochó corre risco de ser desativado, notícia, aliás, um tanto recorrente na história da comarca.
O Tribunal de Justiça, em mais uma investida contra a sociedade, parece pretender prosseguir no desmonte de comarcas do interior, de sorte que nos últimos anos já determinou a desativação ou agregação de, pelo menos, 74 comarcas de entrância inicial ou próximo disto.
Na ocasião, Chorrochó escapou dessa insensatez, mas absorveu os serviços de outras jurisdições.
Noutras palavras: o Tribunal de Justiça da Bahia vem espezinhando as populações dessas e de outras jurisdições que ele as elegeu como deficitárias e, por conseguinte, desnecessárias na visão míope do tribunal.
A Bahia está em crise.
Aliás, a Bahia sempre esteve em crise, porque tradicionalmente, seus homens públicos foram e continuam sendo figuras decorativas, avessos ao clamor do povo.
Inobstante as exceções, há um vazio de sabedoria e gestão na terra de Ruy Barbosa.
Um Estado que faz pouco caso de suas instituições estruturais, Justiça inclusive, definitivamente não é sério, não pode ser sério, nunca será sério.
Há algum tempo, o Tribunal de Justiça da Bahia iniciou um movimento de espezinhamento de sua estrutura no interior, de modo que diversas comarcas foram desativadas e os serviços absorvidos por comarcas maiores ou mais antigas, em flagrante prejuízo às populações locais.
Enquanto ministros dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal Federal, insistem em dizer que a Justiça deve aproximar-se mais da sociedade, o Poder Judiciário da Bahia trafega na contramão e vai cada vez mais se distanciando da população.
Melhor diria, vai dificultando o acesso da população aos serviços judiciais constitucionalmente assegurados.
Em quadro assim, é razoável pensar pelo lado mais simples: a cúpula do Poder Judiciário baiano, que decide essas questões, ganha muito bem e, conseguintemente, parece desconhecer o dia a dia da população carente, seus sofrimentos, suas lutas, seu desamparo.
O Tribunal de Justiça da Bahia desconhece o que significa para as pessoas pobres do interior, mormente do meio rural, que dependem de transporte e dinheiro, a dificuldade que enfrentam para o deslocamento de suas moradias, a fim de procurar o amparo da justiça nas cidades maiores.
O TJ-BA vive no mundo da lua.
Pessoas pobres que dependem da Justiça geralmente não têm sequer condições de comprar alimentos em viagens longas e cansativas.
O que o Tribunal de Justiça da Bahia precisa é moralizar os vencimentos de muitos de seus servidores e restringir suas fantásticas mordomias. Alguns servidores ganham até mais do que um Juiz de Direito.
Não estou lhes negando o mérito, mas questionando as injustificáveis distorções, que não são privilégios somente do tribunal baiano, mas de outros espalhados por este combalido Brasil, que vive à mercê da vaidade de poderosos, inclusive de intocáveis membros do Judiciário.
Assim, talvez reste dinheiro para manter as comarcas funcionando, em benefício das populações e não ter que desativá-las, agregá-las a outras e, conseguintemente, piorar a qualidade dos serviços que a população exige e merece.
O objetivo do poder público não é obter lucro, mas servir equitativa e eficientemente à população. Este é um princípio elementar de direito público, que os dirigentes do Poder Judiciário baiano conhecem ad nauseam.
Exemplificando: dados de 2017, em valores aproximados, dão conta de que havia servidor de setor do Judiciário ganhando a bagatela de R$ 51 mil; administradores de foruns que ganhavam R$ 42 mil; arquivista do Tribunal ganhando R$ 36 mil; e até bibliotecária com salário de R$ 55 mil.
Isto afronta a lógica e o bom senso. É um acinte aos pobres, aos carentes, aos necessitados.
À época referida, os desembargadores embolsavam uma média de R$ 40 mil por mês, salvo engano. A média de vencimento de um juiz de direito era R$ 28 mil, mais os penduricalhos previstos. É a intocabilidade vergonhosa dos juízes.
Tudo legal, sem nenhum arranhão à lei. Mas a imoralidade disto é flagrante, assustadora, inacreditável. Afronta a lógica e o bom senso.
Pior: essas distorções estão acima do teto constitucional, que o Tribunal de Justiça certamente nega.
É razoável supor que esses vencimentos estratosféricos são compostos também de indenizações eventuais, gratificações, abonos, prêmios, verbas de representação, auxílio moradia e outros penduricalhos mais, que engordam os vencimentos dos servidores e afrontam a razoabilidade e a vergonha.
Não duvido que esses vencimentos sejam legais. Entrementes, não há porque esconder que beiram à imoralidade.
Houve casos em que o Estado da Bahia teve que buscar recursos no Tribunal de Contas dos Municípios e no Tribunal de Contas do Estado para, com essas disponibilidades, poder atender à folha de pagamento do Judiciário. Mesmo sendo cabides de empregos, esses tribunais de contas tinham dinheiro sobrando.
Para se ter uma ideia, em 2015, a folha de pagamento do Tribunal de Justiça da Bahia girou em torno de R$ 126 milhões de reais por mês.
Por aí se vê, sem dúvida, que não é extinguindo comarcas, para teoricamente diminuir despesas, que a situação da Bahia e do seu Tribunal de Justiça vai melhorar. O que precisa melhorar é a mentalidade dos dirigentes.
Só para lembrar: em 2017, quando o Tribunal de Justiça da Bahia extinguia comarcas sob o argumento de redução de despesas, uma equipe formada de desembargadores gastou R$ 55,5 mil com despesas de viagem para a Itália, em apenas 10 dias, tudo pago pelo Tribunal. Média das diárias para cada desembargador, R$ 10 mil.
Até um digitador acompanhou Suas Excelências e recebeu R$ 11.736,00, a título de diárias.
Perdulário assim, é este o tribunal que quer diminuir gastos?
A comarca de Chorrochó, que abrangia, de início, quatro municípios, incluída a sede da comarca, está permanentemente ameaçada de extinção ou, no mínimo, de ser agregada a outra comarca.
À época, Humberto Gomes Ramos, então prefeito de Chorrochó, em defesa da comarca, tocou no ponto fundamental: “A Bahia precisa é de investimento e não de fechamento de órgãos que ajudam no processo de crescimento das cidades interioranas”.
Este escrevinhador acrescenta que o resto virá por consequência e certamente não será a necessidade de extinção de comarcas.
O interior precisa acordar, exigir, contestar, protestar, cobrar de seus líderes políticos para que impeçam essa ideia arrevesada de desativação de comarcas e/ou restrição de serviços postos à disposição da população.
O Tribunal de Justiça da Bahia há tempo vinha amadurecendo numa tal Comissão de Reforma Judiciária, Administrativa e Regimento Interno, ou seja lá que nome lhe foi atribuído, a intenção de continuar com o desmonte das comarcas do interior e suprimir os direitos de suas populações carentes. Um erro, uma crueldade.
A comarca de Chorrochó foi instalada em outubro de 1967. Já se vão, por aí, aproximadas seis décadas. Cogitar de sua extinção é um retrocesso que somente depõe contra os defensores dessa ideia esdrúxula e desamparada de quaisquer esteios de sustentação lógica.
Enquanto a sociedade evolui, a Bahia retrocede. A população aumenta e a Bahia diminui seus serviços públicos postos à disposição da população.
Convenhamos, a Bahia está precisando de pessoas que pensem em sintonia com os interesses da população. Por enquanto, não há pessoas com esse propósito. Isto é escancaradamente evidente.
A comarca de Chorrochó é uma conquista de seu povo.
O Tribunal de Justiça da Bahia precisa respeitá-la. Espera-se a desistência desse possível desatino com vistas à desativação do Forum de Chorrochó.
Um momento na vida de Julinha e Eufrázio/Arquivo da família
“A vida, como os livros, é feita de acasos.” (Lygia Fagundes Telles, escritora paulista, 1918-2022)
Ainda muito jovem – vai longe no tempo – este escrevinhador ouvia nas caatingas e barrancos do Riacho da Várzea, José Januário da Silva, político da Fazenda Estreito, município de Chorrochó, tecer boas e elogiosas referências à família Pires de Menezes que, fiquei sabendo depois, vem a ser do mesmo tronco da distinta família Monte Santo ou, melhor, trata-se da mesma família.
Aliado de Dorotheu Pacheco de Menezes, José Januário foi vereador em Chorrochó por diversos mandatos, contemporâneo de Antonio Pires de Menezes (Dodô), de Várzea da Ema. Nascido em 1901, José Januário conhecia muito bem as raízes do pessoal de lá.
Anos mais tarde, quando morei em Chorrochó, tive a honra de conhecer membros dessa família, a exemplo de Luiz Pires Monte Santo (1938-2021), Carlos Pires Monte Santo e Antonio Pires de Menezes (Dodô), quando este último era prefeito de Chorrochó no período de 31/01/1971 a 31/01/1973.
À época, o perímetro urbano de Chorrochó restringia-se a poucas ruas. Era pequeno, menor do que hoje, evidentemente, de modo que as pessoas se tornavam próximas, encontravam-se no dia a dia, construíam amizades, teciam o viver da cidade.
Tempo das conversas nas calçadas, hoje ultrapassadas e até arriscadas, da sadia e alegre convivência da vida estudantil, espécie de costura do tempo.
É o passado permeado por impressões e alegres episódios do tempo da mocidade que vai avivando as recordações e atestando que a lembrança é o que ficou do que passou ou o não desvencilhar-se das certezas ou incertezas vividas.
Houve tempo em Chorrochó – e isto ainda acontece em toda sociedade interiorana – que o viver de cada um estribava-se nos alicerces familiares e nas amizades. A família era o esteio; as amizades, os enfeites da vida e o atapetar do caminho em direção aos sonhos.
Em Chorrochó, havia a Associação Recreativa Amigos dos Menezes (ARAM), conhecida como Clube de Virgílio, porque fundada pelo dinâmico Virgílio Ribeiro de Andrade, que promovia bailes periódicos, mormente de formaturas, que animavam a cidade.
Não tenho percebido, nos poucos e escassos fragmentos da história de Chorrochó, nenhuma referência a essa instituição particular que, embora extinta, marcou época na vida de estudantes e da sociedade local em geral. Assunto, pois, para o departamento de cultura de Chorrochó ou instituição equivalente.
Naquela época, conheci a professora Júlia Pires Monte Santo Batista (Julinha), descendente dessa família e seu marido Francisco Eufrázio Batista, policial militar que servia em Chorrochó na ocasião.
Decente e respeitador, Eufrázio era exemplo de policial educado e habilmente preparado para lidar com as situações que a pacata Chorrochó exigia. Mais do que policial, era amigo de todos.
Mas o que importa aqui, em resumo, é que Julinha e Eufrázio faziam parte das pessoas de grande envergadura moral que conheci em Chorrochó.
Outro momento de Julinha e Eufrázio/Arquivo da família
Décadas depois e longe de Chorrochó, Julinha me disse que tem as filhas Mônica, Gislene e Ana Carla. A descendência completa-se com uma neta e quatro netos.
Post scriptum
Um testemunho necessário e oportuno: Fiquei impressionado com a cultura e o conhecimento demonstrado pela professora Graciella Reis de Carvalho no que tange à História de nossa região. Graciella é bisneta do lendário Petronilo de Alcântara Reis, coronel Petro, filha de Marly Reis Monte Santo.
Em data recente, entrei em contato com a professora Graciella que, muito prestativa, passou valiosas informações sobre as raízes familiares da região, pelo que agradeço.
De quando em vez consulto meus amarelados alfarrábios. Encontrei este cartão, consideração que a família de D. Iaiá me mandou. Eu já morava em São Paulo.
A distância da época vai-se estendendo, o tempo dá o tamanho da saudade, a história atesta a crueldade do vazio.
Maria Alventina de Menezes (D.Iaiá) era viúva de Joviniano Cordeiro de Menezes.
Já se foram também os filhos Maria Rita da Luz Menezes, Antonio Cordeiro de Menezes, José Jazon de Menezes e Maria Daparecida Mazarelo de Menezes.
Ficaram a memória imorredoura, as lembranças e a saudade.
Persiste a certeza da imortalidade da alma, dom de Deus, que nos dá a resignação.