Curaçá: Theodomiro Mendes da Silva, uma lembrança.

Theodomiro Mendes/Álbum de Theodomiro Mendes Filho

Nossa amizade nasceu em junho de 1968 na igreja de Santo Antonio, em Patamuté.

Padre Adolfo Antunes da Silva, vigário de Curaçá, fazia alguns batizados. Theodomiro e eu estávamos presentes e ali mesmo diante das bênçãos de Santo Antonio a amizade se principiou, germinou, nasceu. Depois floresceu, perdurou, nunca morreu, não podia morrer, não devia morrer.

Já escrevi alhures sobre Theodomiro Mendes da Silva. Lembrei casos pitorescos que vivemos e até, em certos momentos, me serviram de lição, além de contentamento e estímulo para o prosseguimento da caminhada.

Há algum tempo me debrucei sobre uma tarefa ingente, mas precisei suspendê-la: a quase-biografia de Theodomiro. Quase-biografia, porque não me acho capaz de retratar, fielmente, a riqueza de sua vida, de seu caminho percorrido, de sua luta. Destemido, sabia enfrentar situações difíceis sem empurrar o adversário em direção à queda.

Seguro de suas convicções, Theodomiro não abdicava das posições que defendia, mesmo que soubesse inapropriadas para a ocasião. Ao contrário, tinha determinação para caminhar em busca do que pretendia fazer e sustentava-se em si mesmo.

Entretanto, minhas pesquisas encontraram alguns obstáculos, dentre eles a escassez de tempo para entrevistar pessoas mais próximas de seu convívio, parentes, familiares, amigos da época, quem restou do que passou. E passaram muitos.

Caatingueiros ele e eu, a diferença é que vim de um berço muito pobre, nascido nos barrancos do Riacho da Várzea, em meio a cactos e pedras disformes, amarfanhado pelas intempéries da seca e ele descendia de família bem posta e estruturada de Patamuté.

Desde jovem sempre me imbuí do intuito de guardar confidências de amigos. Talvez por isto tenha mantido alguns até hoje e outros tantos não suportaram minha pequenez e disseram adeus ao longo do caminho.

Um dia, em Salvador, Theodomiro e eu fomos conversar num bar na Rua da Ajuda, à noite, imediações da Rua Chile. Guardo gratas lembranças daquele momento: ele demonstrou impressionante generosidade, desprendimento, consideração, vontade de ajudar a quem dele precisasse. Quase uma contrição, um ajoelhar-se diante da esperança de vencer as dificuldades. Acho que chegou lá.

Contudo, isto é assunto para mais vagar, mais tempo, mais espaço, mais coragem para enfrentar o tumulto das emoções.

À época eu fazia treinamento na Secretaria de Segurança Pública da Bahia, condição exigida para assumir o cargo de chefe do primeiro Posto de Identificação de Curaçá, criado por Theodomiro em sua primeira administração como prefeito. Ele fazia questão de acompanhar meu desempenho, como se amparasse minha inexperiência e abrandasse a arrogância de jovem que queria consertar o mundo. Contente engano aquele meu. Hoje vejo os escombros do fracasso de minha geração.

Theodomiro tinha alguns amigos, não direi poucos, não direi muitos, porque não conheci todos. Um deles era Aristóteles de Oliveira Loureiro, conhecido como Tote.

Líder político incontestável, Theodomiro conseguia eleger qualquer nome que indicasse e Tote foi um agraciado. Tote era um sujeito decente, experiente, caminheiro de velhas estradas na política de Curaçá. Eles andaram juntos em determinada quadra do tempo.

A relação entre ambos situava-se muito próxima. Theodomiro era casado com D. Valdeth Conduru Mendes, mais tarde primeira-dama elegantíssima e educada, à semelhança de D. Adalice Conduru Loureiro, esposa de Tote.

De família tradicional, respeitável, curaçaense da gema, referência de seriedade e decência, Tote sabia conjecturar, engendrar, alinhavar acordos. Sorriso quase irônico, temperamento calmo, discreto, sábio, inteligente, sagaz, Tote conhecia os meandros da política de Curaçá e os dominou por algum tempo.

Aprendi com Theodomiro que não se deve misturar amizade com política. Como é difícil separar! Não dá certo, nunca deu certo, nunca dará certo. Grande lição, também aprendi a ter cautela ao ouvir conversa de político. Convém saber no que devemos acreditar.

Houve alguns episódios entre nós. Entretanto, Theodomiro e eu continuamos amigos até ele morrer. Nossa amizade não podia acabar na esquina de uma situação política transitória, insignificante, passageira.

Já morando em São Paulo, fui passar uns dias nas caatingas de Patamuté. Aproveitei para fazer uma visita a Theodomiro em sua casa em Curaçá, nas proximidades do Teatro Raul Coelho.

Conversamos muito. Conversa saudosa, calma, sem pressa de acabar. Amigo atencioso, prestativo, fidelíssimo, entendeu a visita, absorveu as lembranças, laborou nas reflexões. Nunca mais nos vimos.

Theodomiro era mestre na arte da política. Caatingueiro astuto de Patamuté, sabia engendrar, sabia articular, sabia conspirar e sabia entender o âmago das pessoas.

Li, tempos depois, um texto escrito pelo ínclito e conspícuo curaçaense Omar “Babá” Torres, que citava a sabedoria mineira: “na política, o melhor é não falar. Se falar, não diga; se disser, não escreva; se escrever, não assine, mas se tiver que assinar, assine com a mão errada”.

Honra e glória de Patamuté, Theodomiro Mendes da Silva foi um dos melhores amigos que tive nesta minha vida de tropeços. Sinto muito sua falta, mas como diz o caipira do interior de São Paulo, “ele foi antes do combinado”. Coisas da vida ou da morte. Ou do imponderável.

araujo-costa@uol.com.br

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