A miopia do Poder Judiciário

Em 24 de janeiro, um sensato juiz federal de Ituiutaba, interior de Minas Gerais, em decisão sábia, restringiu o auxílio-mudança dos deputados federais e senadores. Proibiu que o auxílio fosse creditado a deputados e senadores reeleitos que não precisam sair de Brasília.

O auxílio-mudança consiste no seguinte: cada parlamentar recebe no fim e no começo do mandato um salário a mais, que hoje corresponde a R$ 33,7 mil. Ou seja, em janeiro o parlamentar recebe em dobro, além das demais e robustas verbas que embolsa.

A justificativa dessa mamata é o eventual pagamento das despesas de mudança do parlamentar para seu estado de origem ou dele para Brasília.

Agora em fevereiro, um juiz federal de Sergipe, em decisão não muito sábia, mandou a Câmara e o Senado pagarem o auxílio-mudança aos parlamentares, em caminho contrário à decisão judicial do colega mineiro.

Amparada na decisão do juiz sergipano, a Câmara dos Deputados imediatamente já depositou na conta de 477 deputados. Total do desperdício: R$ 16 milhões, mais precisamente, R$ 16.104.951,00.

Há notícia de que cerca de 30 parlamentares abriram mão do benefício.  Ainda bem.

Pior: o juiz de Sergipe mandou depositar, inclusive, na conta dos parlamentares que foram reeleitos e, portanto, não têm mudança a fazer, porque continuam em Brasília.

Ora, se o deputado federal ou senador continua morando em Brasília, qual a justificativa do auxílio-mudança?

O juiz sergipano disse que não viu “qualquer ilegalidade” no pagamento do auxílio-mudança, mesmo para quem não precisa mudar.

Certamente não há ilegalidade mesmo, mas imoralidade.

É que o juiz sergipano não sabe onde aperta o sapato do pobre, quando o pobre tem sapato. E mandou esbanjar o dinheiro público.

Sua Excelência não frequenta corredores de prontos socorros e hospitais públicos que não têm leitos, remédios, médicos, equipamentos para fazer exames, atendimento decente, etc.

Sua Excelência não frequenta os mesmos lugares que os pobres frequentam e, portanto, não conhece o desamparo em que vivem.

Sua Excelência não sabe o que é fome, que o Brasil tem 12 milhões de desempregados, que famílias inteiras não têm o que comer.

Mas há uma possível explicação para tudo isto: em alguns casos, o Poder Judiciário sofre de miopia ao proferir decisões que atingem a população.

Talvez o juiz sergipano precise fazer uso de lupa. E verá o tamanho da imoralidade que contém a medida, embora seja legal.

O Brasil está às moscas.

O Poder Judiciário, que a sociedade ainda acredita, poderia coibir os desmandos com o dinheiro público, mas é o primeiro a escancarar as porteiras da insensatez.

araujo-costa@uol.com.br

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