Quando ainda não vivíamos em tempo de “politicamente correto”, nossas inocentes gafes não chegavam a ser interpretadas como ofensas à sociedade, como hoje acontece.
Em ambientes de boemia, a fumaça dos cigarros de alegres e noctívagos boêmios se misturava à voz de Núbia Lafayette cantando Devolvi, clássico de Adelino Moreira ou Lama, de Mário Lago, ao tempo em que comentávamos despretensiosos casos de dor de cotovelo, paixões e pretensões amorosas.
Não existia fumódromo, não havia lei restritiva do cigarro em bares ou quaisquer ambientes. Mas, por educação – e educação sempre coube em qualquer lugar – era comum fumantes perguntarem ao vizinho de mesa se podia fumar ao seu redor ou se a fumaça lhe estava incomodando.
Tudo isso era normal. Era normal fumar e normal ser educado.
Ato tão corriqueiro, ainda que em ambientes de boemia, fumar passou a ser um comportamento reprovável. É como se a sociedade inteira se preocupasse com a saúde do indivíduo que fuma e de seus circunstantes. Hipocrisia.
Ninguém está preocupado com a saúde de ninguém e tampouco fiscaliza o cumprimento da lei. A lei só é boa quando pune o quintal dos outros.
Não sou fumante. Não me sinto confortável com chaminés fumegando ao meu lado. Mas isto não tem o condão de excluir o direito de quem fuma ao meu redor. Tudo deve se circunscrever a alguns e razoáveis limites.
Certa vez presenciei um sujeito, cara de dono do mundo, repreender um rapaz, em público, porque o displicente e desavisado moço estava com um cigarro entre os dedos, como se estivesse cometendo a maior das contravenções sociais.
Achei aquilo uma invasão de privacidade sem tamanho. Tinha ele o direito de imiscuir-se no comportamento do rapaz?
Como se vê, é o “politicamente correto” interpretado pelo avesso.
A ultrapassagem dos limites de convivência gera os conflitos. Se o fumante não está incomodando ou invadindo o espaço de outras pessoas, não há porque ir até ele e repreendê-lo. Chega a ser petulante e estúpido abordá-lo.
Se o indivíduo está desrespeitando normas legais em ambientes onde o fumo é proibido, parece razoável entender que a fiscalização cabe aos agentes públicos e não aos frequentadores do local. No máximo, comporta uma educada orientação do dono do estabelecimento aos seus clientes.
Fumar hoje chega a ser uma gafe. Deslize menor, isto não pode ser interpretado como comportamento reprovável. A privacidade de cada um está acima de meras reprovações de supostos incomodados.
Em certos casos, o ambiente se faz com a soma da educação que cada um carrega dentro de si. O bom senso é o melhor caminho para superar a arrogância.
O fumante deve saber onde é permitido fumar. Mas também deve saber que seu direito não pode ser invadido por qualquer um que se ache incomodado.
Não trafego na contramão das hipocrisias sociais. Convivo com elas, estrategicamente, mas, no caminho, tento parar de vez em quando, para conversar com quem vem em sentido contrário. E este diálogo às vezes tem tem sido difícil. Mas existe.
Certamente a convivência será melhor entre todos quando as pessoas se desprenderem dos rótulos que a sociedade impõe e lançarem sobre seus semelhantes um olhar de compreensão e modéstia. Está faltando modéstia.
Quando não existia o “politicamente correto”, os boleros Angústia e Perfume de gardênia na voz do cantor cubano Bienvenido Granda eram perfeitamente compatíveis com noites boêmias e fumaça de cigarros.
Outros tempos, outros valores, outra quadra da sociedade.
araujo-costa@uol.com.br
Arrependida estou de ter fumado por 40 anos.
Hoje na minha casa é proibido fumar. Evito fumódromos.
Respeito e, por isso, quero distância de fumantes.
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