Curaçá, José Amâncio Filho e o luar

O luar tem muitas nuances. Até permite o surgimento de clássicos como a música Luar do Sertãodo maranhense Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), que um colega meu dos tempos da faculdade insistia em dizer que era cearense.

Nunca consegui convencê-lo de que Catulo era natural do Maranhão. Hoje acho que era apenas gozação dele.

Composta em 1914, já se vão muitas décadas por aí e ainda hoje continua sendo cantada por jovens e velhos.

Catulo sustentava ser o autor de Luar do Sertão, mas a história registra uma controvérsia: o autor seria João Pernambuco, contemporâneo de Catulo.

Aliás, em minha baiana e querida Curaçá, que tem envergadura de República, tal sua importância, havia um bar no chamado centro histórico, onde se lia no frontispício, talhadas com esmero, as palavras Luar do Sertão.

Não sei se ainda estão lá o bar e as letras. Se não continuam lá, é porque extirparam um pouco da história da cidade, coisa comum nos dias de hoje, em qualquer lugar.

O luar sempre foi inspirador das serestas, do amor desejado e da vida noturna no interior. Até as casas de chá nele se inspiravam para romantizar seus ambientes.

Lembro um baile intitulado “uma casa de chá ao luar de outubro”, para o qual fui convidado na década de 1970, numa cidade do interior da Bahia.

Como sempre me interessei em saber a origem das coisas, achei aquilo muito interessante: o luar era de outubro, mas o baile foi em dezembro.

O cantor e compositor José Amâncio Filho (Meu Mano), que nasceu nos domínios de Curaçá, mas se notabilizou em Abaré, inspirou-se no luar para compor algumas de suas canções. Uma curiosidade: o pai de Catulo chamava-se Amâncio José.

Nascido na Fazenda Malhada de Pedra, em 1894, quando Abaré ainda pertencia aos domínios de Capim Grosso, hoje Curaçá, Meu Mano cresceu vendo o luar do sertão.

Quando eu morava em Patamuté, um amigo de Meu Mano contou um “causo” curioso. Ambos estavam numa bodega, à boca da noite, já à luz do candeeiro, em tempo de lua cheia e o amigo lhe convidou para beber alguma coisa. Meu Mano ponderou: “certo, mas vamos esperar a lua sair”.

O escritor pernambucano Geraldo Granja Falcão escreveu um livro sobre Meu Mano. Dentre outras coisas, registrou que ele  “tinha uma vida boêmia, nômade, comunicativa, movimentadora de tantos pedaços de sertões e de gente, fiel às melhores tradições culturais da região”.

E ainda fez história que enriqueceu Curaçá, Abaré e região.

A vida me deu alguns amigos.  Entre eles, Domildo e Hélio Soares Passos, ambos filhos de José Amâncio Filho.

Hélio, boêmio, agitado, bom e atencioso, participou comigo de sadias farras em São Paulo. Já se passaram décadas.

A velhice o sucumbiu cruelmente, assim como fez com Domildo, músico de respeito, à semelhança do pai. Meu Mano tocava clarinete. Domildo se embrenhou nesse e noutros caminhos parecidos.

Boêmio, andarilho, temperamento afável, Meu Mano andou bastante por municípios de Pernambuco e Bahia e acabou se fixando em Abaré.

Este fragmento nasceu da saudade desses amigos, filhos de Meu Mano, que me contavam muita coisa sobre o pai. Nunca mais vi. Decerto, a culpa é minha, arredio, esquisito, desleixado com os amigos.

A última vez que conversei com Hélio, ele me contou que esteve em Curaçá e disse qualquer coisa sobre a preservação da  memória de Meu Mano na cidade, parece que as bases de um espaço para exposição de alguns de seus objetos ou coisa parecida.

Não cheguei a confirmar isto, se um projeto oficial, da família ou apenas conjecturas.

Em Curaçá, Meu Mano é nome de colégio, bairro, etc. Sua memória está muito bem por lá.

 araujo-costa@uol.com.br

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