Curaçá: algumas palavras sobre Maurízio Bim

“A gente pode ter orgulho de ser humilde” (D. Helder Câmara, 1919-1999)

Tratando-se de amizades, a confiança é atraída pelo diálogo, embora nem sempre o conteúdo dessas amizades tenha o condão de nascer de convivência diuturna e frequente.

A confiança quase sempre surge casualmente, como se, depois de uma peregrinação, encontrasse lugar seguro para pousar.

Neste “mundo coberto de penas”, como dizia o mestre alagoano Graciliano Ramos, as amizades se desgastam facilmente e se perdem nos labirintos das incompreensões, que são muitas, amiúde.

Contudo, algumas surgem subitamente, surpreendentemente e ficam, perduram. Ainda bem que surgem, ficam e perduram.

Em Curaçá, amparo de minha aldeia Patamuté, o tempo me presenteou com amizades que perduram até hoje, algumas construídas na juventude, outras no decorrer do tempo e outras poucas já em minha ostensiva fase de chatice, quando passei a me levar muito a sério, o que não é bom, nunca foi bom, nunca será bom.

A pureza da juventude esvaiu-se-me e me tornei um sujeito esquisito, tosco, arredio, às vezes incompreensível.

Passei a confiar menos nas pessoas, quiçá em razão dos tropeços, da poeira engolida nas estradas, das decepções enfrentadas ao longo da caminhada e de minha incompatibilidade para conviver com hipocrisias.

Não tenho conseguido ajoelhar-me diante da arrogância, mas sei entender os antagonismos, discernir as aparências. E nas encruzilhadas das incertezas, tentei seguir o caminho menos espinhoso, a direção possível.

Viver exige lhaneza, simplicidade, afabilidade, o que me falta a todo tempo. Mas resisto em ceder às tentações para não me tornar grosseiro, indesejável, ferino, estúpido.

Às vezes é preciso que derrubemos os anteparos para que a luz que está do outro lado desponte e traga clareza ao nosso caminhar e à necessidade de sermos humildes.

A esperança sempre nos permite alcançar o outro lado da luz.

Dentre os amigos mais jovens que conquistei em Curaçá está Maurízio Bim.

Nossos contatos se estreitaram depois que ele lançou o livro História da Imprensa de Curaçá, resultado de cuidadosa pesquisa sobre a história do município, mormente relativamente à tenra imprensa local, que continua tenra, mas impressionantemente importante.

É muito difícil cultivar a seriedade nesta quadra do tempo. Todavia, Maurízio consegue, não obstante o monturo de influências externas que nos abalroam diariamente.

Maurízio encaminhou-se para a pedagogia, o jornalismo e para o ofício de escritor, áreas que domina com competência e desenvoltura. Difíceis áreas, convenhamos.

Maurízio é filho da professora Dionária Ana Bim e recebeu da mãe – e certamente também do pai – o gosto pelas coisas sérias, a arte de dirigir o espírito para a investigação da verdade e, sobretudo, o caráter irrepreensível.

A origem de Maurízio merece um ajoelhar-se diante da vida e do tempo: o homem também tem raízes em Barro Vermelho, simpático torrão de Curaçá.

Como Barro Vermelho é importante para este escrevinhador!

Dionária foi professora deste insignificante escrevinhador no Colégio Municipal Professor Ivo Braga, de Curaçá. Tenho-a em alta consideração. Foi professora é modo de dizer. Continua sendo. Será sempre. Os grandes mestres não saem de nossas vidas.

Não se esquecem as boas lições, não se esquecem os bons ensinamentos.

O livro História da Imprensa de Curaçá é uma promissora iniciativa que Curaçá passou a dispor para o enriquecimento e sedimentação de sua história. Leitura agradável, enriquecedora, formidável.

Maurízio Bim fez mais uma façanha, dentre outras: lançou o livro, Barro Vermelho – memória e espaço, obra também cuidadosamente lastreada em pesquisas sobre o elegante distrito curaçaense, sua gente, suas raízes e sua cultura. Um indestrutível e perene monumento ao lugar.

O lançamento do livro aconteceu no Memorial Filemon Gonçalves Martins, marco da cultura musical e da história de Barro Vermelho. Tive vontade, mas não pude estar presente. Faz tempo.

Todavia, além do registro da amizade, o que conta aqui é o registro de sua generosidade.

Quando Maurízio me apresentou a História da Imprensa de Curaçá fez constar na dedicatória: “É preciso que lembremos, mas também é mister que os outros saibam para que a todos seja comum”.

Pensamento de grandeza, de desprendimento, de compartilhamento do saber.

Maurízio Bim faz parte dos intelectuais que não gostam de pedestais. Aí está sua grandeza, o orgulho da humildade.

Uma vez chamei-o de ilustre. Ele me repreendeu. Não se acha ilustre.

Entretanto, quando Curaçá tiver, se algum dia tiver, um instituto ou  mesmo uma acanhada academia de letras, certamente Maurízio Bim será um de seus ilustres e intraduzíveis esteios.

araujo-costa@uol.com.br

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