
“Uma pitada de poesia é suficiente para perfumar um século inteiro” (José Marti, poeta cubano, 1853-1895)
Esta é uma crônica de saudade, com algum quê de envelhescência. Um olhar sobre a memória e dignidade de uma mestra na arte de educar.
Guardo, com muito carinho, um documento expedido em 10 dezembro de 1967. Trata-se do diploma de conclusão do meu curso primário na Escola Estadual de Patamuté.
Naquele tempo fazia-se o primário em cinco anos, que habilitava o aluno para a admissão ao curso ginasial, que se constituía no sonho da maioria dos estudantes pobres do sertão, inalcançável para muitos.
Hoje esse documento – diploma – apequenou-se e é comumente chamado de certificado. Melhor, apequenaram-no, talvez em razão das exigências do tempo.
O diploma traz a assinatura da professora que me ensinou e acompanhou meus dias naquela fase estudantil tão difícil e importante em minha vida: Beatriz Gonçalves dos Reis.
Mais tarde, em razão do casamento com José Gomes Reis Filho, ilustre senhor de família tradicional de Patamuté, ela passou a assinar Beatriz Gonçalves dos Reis Gomes.
Com a professora Beatriz aprendi a antever novos horizontes, contemplar as perspectivas, expandir os sonhos da mocidade e colocar o pé no estribo em direção ao desconhecido.
Beatriz era lotada no Departamento de Educação Primária do Estado da Bahia e, como tal, professora em Patamuté.
Como se dizia à época, “professora formada”, ou seja, habilitada formalmente, para o exercício da profissão, porque naqueles idos as professoras do interior raramente tinham formação em magistério.
Beatriz tinha formação, porque seu pai, Júlio Reis, um sujeito decentíssimo, permitiu que ela estudasse fora do então modorrento Patamuté.
O documento é importante em minha vida. Será sempre. É o segundo, depois da certidão de nascimento. E importante porque a assinatura da professora Beatriz é uma láurea para este humilde escrevinhador. E se o é, é-o no que concerne à minha satisfação. Eu admirava e ainda hoje a guardo na memória como um dos pilares do ensino em Patamuté e de minha formação.
Beatriz era conspícua, atenciosa, inteligente, educada, elegante. Olhar ativo e altivo, sorriso largo e sincero, irradiava bondade aos circunstantes. Deixou-me sólidos e robustos exemplos de ética, profissionalismo e decência.
Penitencio-me diante de sua memória por ter seguido alguns desses exemplos e outros nem tanto. Mas isto deve ser debitado unicamente à minha fraqueza humana.
Embora não tenha nenhuma pretensão de ser memorialista ou historiador, devo lembrar que Patamuté deve muito à professora Beatriz pelo seu trabalho, quase sempre em condições inóspitas, em benefício da infância e da juventude da época. Sua memória merece mais atenção das autoridades do município de Curaçá, evidenciando-a perante todos, mormente relativamente aos jovens, às gerações de hoje.
Quando Beatriz se dedicava à luta para educar jovens, por extensão estava construindo um novo tempo para Patamuté, que ainda hoje reluta em alcançar.
Se no presente o ensino em Patamuté dá-se em condições precárias, imaginemos cinco décadas atrás.
Deixo aqui meu respeito e admiração aos professores de hoje, em Patamuté, que lutam arduamente em seu difícil mister de ensinar.
As condições de ensino que Beatriz enfrentou eram adversas, difíceis. Todavia, ela nunca abdicou de seu dever de ensinar e o fazia com generosidade, esforço e bravura.
Patamuté deve prestar-lhe reverência. Há muitas formas de fazê-la. É preciso resgatar sua memória do ostracismo. É necessário que a sociedade patamuteense reconheça o seu trabalho em prol da educação e da dignidade de sua gente. E isto deve ser feito através das autoridades do lugar.
Deixo aqui uma sugestão aos vereadores e ao prefeito de Curaçá:
Considerem o nome da professora Beatriz Gonçalves dos Reis Gomes para nomear algum equipamento público no distrito de Patamuté. Mais do que homenagem, trata-se de respeito à sua memória.
Se, à semelhança do poeta, não temos o condão de perfumar o século, pelo menos tenhamos a coragem de guardar com dignidade a memória de nossos antepassados.
araujo-costa@uol.com.br
Correto ,merecedora de uma escola com seu nome ,justa homenagem
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