
Em minha mocidade existia uma rua em Patamuté, a Rua dos Ferreiras.
Ainda há. Hoje maior, mais movimentada, com mais casas, mais moradores e adaptada à passagem do tempo.
Lá morava Nicolau Cordeiro, um dos grandes amigos que tive na vida. Nicolau fez a façanha de viabilizar minha vida de professor particular em Patamuté, mas esta é outra história.
Uma rua nascida da tradição do povo, sem alcunha oficial atribuída pelo poder público.
Rua pequena, limitando-se com as pedras disformes do mármore de Patamuté sobre as quais pastavam animais.
José Henrique de Souza Sobrinho, distinto senhor da sociedade de Patamuté, tinha um chiqueiro nas imediações para cuidar de sua criação de caprinos.
Aos sábados, ao lado da casa “dos Chias”, uma construção antiga e rudimentar dos primórdios de Patamuté, Maria fritava seus “manuês” e lá cuidava de sua freguesia. Maria era irmã de Balbina, Senhora e Silvina e todas eram muito queridas em Patamuté.
A história registra, sem muita certeza, que os “Chias” foram vaqueiros do Barão de Jeremoabo e essa casa da Rua dos Ferreiras teria sido a sede de uma de suas fazendas.
Uns diziam chamar-se Rua dos Ferreiras, alusão ao nome de uma família; outros diziam Rua dos Ferreiros, porque ali, contavam, artesãos exerciam a profissão de cunhar ferro a fogo, aquecido através de fole, uma geringonça que, acionada manualmente, alimentava com ar as brasas para o ferro amolecer e ser moldado. Daí, Ferreiros.
Mas isto é assunto para historiadores e conhecedores dos meandros da História – e eu não sou – não é assunto para explicar a saudade.
Hoje certamente o nome da Rua deve constar corretamente no mapa e nos registros da Prefeitura de Curaçá, de modo a não haver mais dúvida quanto a sua origem.
Reuníamos ali, às vezes, jovens e velhos.
Na década de 1960, quando lá só existiam vitrolas movidas a pilha, porque em Patamuté não tinha energia elétrica, ouvíamos, entre outros, Gigliola Cinqüetti, Dio come ti amo e Waldick Soriano, Paixão de um homem, que embalavam nossos sonhos de jovens e tapetava a coragem para conquistar as primeiras namoradas.
Ali mesmo, em qualquer casa cedida por um morador generoso, fazíamos bailes, à época chamados de “assustados”.
Pobres, fazíamos “vaquinha” e comprávamos as pilhas para a vitrola no bar de Taxú, assim como o conhaque Castelo. Às vezes comprávamos fiado. Bom amigo, Taxú confiava em todos nós.
Taxú faleceu em 1998, uma semana antes de completar 70 anos. Ainda hoje a saudade dele cutuca, faz constantes visitas e não me permite esquecê-lo.
São amigos que perduram, ultrapassaram décadas e se firmaram na sinceridade. Quando é assim, difícil acabar.
Sempre me perguntam quais são meus amigos, se os tenho, se existem ou se diluíram no tempo e nos lugares por onde passei e morei, que são muitos, vários.
Mas em alguns desses lugares permanecem amigos ainda firmes. Em Patamuté, inclusive. Esses ficaram. Coisas da juventude. Difícil de explicar.
Os grandes amigos são aqueles que aparecem nos momentos mais difíceis. Como dizia Walter Winchell, “amigo é aquele que chega quando as outras pessoas estão indo embora”.
Minha formação de vida deu-se numa atmosfera de muitos percalços. Tropecei, algumas vezes. Caí, outras tantas. E toda vez que me encontro na encruzilhada do tempo passado e do presente, lembro-me das amizades adquiridas ao longo do caminho. E faço um balanço: valeu a pena tê-las.
Bateu-me uma saudade inominável de Patamuté, das pessoas, da fé que os filhos de lá professam, as procissões de Santo Antonio e, sobretudo, de minhas raízes que estão lá intactas e imunes ao desgaste do tempo.
É o que ficou do que passou.
araujo-costa@uol.com.br
Walter, gosto muito de suas postagens sobre Patamuté.
Continue a retratar todas essas belas recordações que é comum para todos os filhos dessa terra querida.
Um abraço
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Obrigado pela atenção, Jorge. Valeu!
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