“Não é propriamente um lobo. É uma espécie de cachorro do mato, o guará. Cachorro sem dono, erradio, arredio, sem eira nem beira, vagando solitário pelo sem-fim do cerrado” (Antonio Félix de Souza, prefácio de Lobo do Planalto, de Paulo Dantas).
Lá para as bandas de Minas, os mais antigos usavam a expressão “coisas escorubiúdas” quando se referiam a esquisitices.
No meu caso, não chega a ser escorubiudices, mas não deixa de ser um tanto esquisita esta minha constatação: nunca vi um guará.
Mais esquisito do que constatar é dizer que nunca vi. O que interessa ao leitor saber se já vi ou não um guará?
Quando morava na caatinga do sertão da Bahia, muitas vezes vi rastros deixados na lama no Riacho da Várzea. Mas daí a afirmar que eram pegadas de guará vai uma grande distância.
Os mais velhos diziam que sim, havia guará por lá. Se havia, deve haver ainda.
Contudo, à semelhança dos fantasmas, ninguém via guará naqueles barrancos. Se bem que na caatinga muita gente garantia que costumava ver fantasmas ou, como se dizia, “alma do outro mundo”.
Outros iam mais além para dizer que viam aparições, figuras medonhas, sombras, mortos, esquisitices.
O Riacho da Várzea, arrimo de caatingueiros valorosos e tenazes, serpenteia, bravamente, entre cactos, pedras e vegetação esturricada, até chegar à foz. Seguramente, é uma das razões do viver do sertanejo do semiárido baiano.
A imagem mais próxima que guardo de guarás é aquela muito conhecida do Santuário do Caraça, em Minas, onde os padres os alimentam e eles até ficaram amigos dos religiosos.
Parece que os primeiros intrusos surgiram no Santuário por volta da década de 1980.
No Santuário, definem o guará como “animal dourado de cauda curta”. É chamado guará porque em tupi-guarani, a língua dos indígenas, guará significa “vermelho”.

Embora nunca tenha visto um, gosto do guará. Ele vive sem eira e nem beira, arredio, solitário, vagando, cauteloso, como muitos de nós.
Post scriptum:
Tenho uma mania, mais do que mania, despropósito: costumo escrever Riacho da Várzea. O correto é Riacho da Vargem, segundo os registros históricos e geográficos e a opinião de quem entende.
Não quero ser exemplo de apreciador de equívocos.
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