Belinho de Curaçá, tempo e lembrança

Belinho (1943-2024). Reprodução Rede GN

Nascido Belarmino Rodrigues Nunes em 1943, faleceu em 2024, no mês em que completaria 81 anos.

Se não me falha a memória – e a memória, já esburacada, sempre falha nesta altura da vida – ele tinha Guimarães no nome. Entretanto, minha dúvida soma-se ao pedido de desculpa, se grafei o nome incorretamente.

Belinho nasceu na caatinga do simpático distrito curaçaense de Barro Vermelho. Como se vê, de origem caatingueira e estribado no ambiente garranchento e esturricado que todos nós do sertão tanto gostamos.

Belinho, como era conhecido em Curaçá e região, foi servidor público atuante, respeitado por colegas e curaçaenses de modo geral. Sociável, bate-papo agradável, prezava as amizades, sabia fazer amigos.

Conheci Belinho em 1974 e convivemos por algum tempo. Ele e eu trabalhávamos na Prefeitura de Curaçá na primeira administração do prefeito Theodomiro Mendes da Silva, ínclito filho de Patamuté.

Belinho vinha de outras administrações, o novato ali era eu.

Diálogo agradável, inevitável não gostar de sua conversa atenciosa, o respeito com todos e, sobretudo, sua dedicação à profissão que exercia.

Anos mais tarde, foi presidente da tradicional Sociedade dos Vaqueiros de Curaçá, respeitada instituição sertaneja que faz parte da cultura do município e da Bahia.

Curvo-me, sempre, diante da consideração, hoje um tanta escassa, neste mundo tão conturbado pelas incompreensões.

Em 2022, não me recordo o mês, mais de 47 anos depois que saí de Curaçá, Belinho me telefonou para dizer que havia conhecido um de meus irmãos, morador na caatinga de Patamuté, nos limites com o município de Chorrochó.

Salvo engano, Belinho cuidava de um caminhão-pipa ou coisa parecida. O fato é que andava por lá, às voltas com esse mister de distribuição de água em sítios e fazendas atribuladas pela seca.

Conversamos, lembramos de nosso tempo na administração de Theodomiro e, por óbvio, revivemos saudades e lembranças.

A amizade nunca se faz distante, nunca é abstrata, nunca se desprende da consideração e flexibiliza os tropeços do nosso caminhar.

Post scriptum:

Quem se interessar em conhecer a Sociedade dos Vaqueiros de Curaçá, sua história e tradição, recomendo a Dissertação de Alinne Suanne Araújo da Silva Torres apresentada em 2016 no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Mílton Santos, da Universidade Federal da Bahia, com o título Curaçá: O Vaqueiro, sua Festa e a Representação da Cultura.

araujo-costa@uol.com.br  

Curaçá e os acasos que o tempo registrou

O contexto político era outro, mais civilizado.

Não havia polarização, não havia exacerbação ideológica, não havia fanatismo imbecilizado a exemplo de agora.

A juventude queria mudança de mentalidades e não bajulação de líderes políticos.

Saíamos de uma exaustiva campanha pela Assembleia Nacional Constituinte que aprovou a vigente Constituição de 1988, que alguns ministros do Supremo Tribunal Federal de hoje apequenam-se diante da História e vão rasgando, paulatinamente, suas páginas a cada dia.

Hoje a Constituição Cidadã que nossa geração sonhou e que o paulista Ulysses Guimarães lutou para torná-la realidade está mutilada, espezinhada, humilhada.   

Lutamos para que a mancha da cruel ditatura militar de 1964-1985 não permanecesse intacta. Conseguimos, em parte.

Em Salvador, Gilberto Gil se posicionou na condição de candidato a prefeito do município. Foi defenestrado de sua intenção, em razão de conchavos outros engendrados na alcova dos mandantes políticos da ocasião.

Em Curaçá, também eu havia acreditado, ingenuamente, mas fui alijado de minha indicação, embora me tenha sido prometida. Foi nessa quadra do tempo que aprendi a não levar a sério palavras de políticos e, nesse particular, continuo cético.  Continuarei cético.

Entrementes, é próprio dos jovens acreditar, mesmo não sendo muito jovens. Faz parte da utopia e dos sonhos.

Em solidariedade a Gilberto Gil, fiz-lhe saber que não era somente o caso dele, em Salvador, mas de muitos outros, inclusive em Curaçá, naquele efervescer de ideias e da redemocratização do Brasil.

Em 31/08/1988, em carta, ele concordou e se disse disposto a continuar a luta.

Carta de Gilberto Gil/Arquivo do autor do Blog

A história política subsequente de Gilberto Gil todos conhecem, inclusive culminou como ministro da Cultura (2003-2008) de Lula da Silva e hoje é membro da Academia Brasileira de Letras.

Guardo a carta histórica que recebi de Gilberto Gil para integrá-la ao Acervo Curaçaense, que considero embrião da futura Academia de Letras de Curaçá, quando Maurízio Bim e Luciano Lugori e outros intelectuais de lá a viabilizarem.

Acredito muito nos intelectuais de Curaçá, que têm demonstrado persistência ao cuidar das estruturas da História do município, inobstante as naturais dificuldades de percurso.    

araujo-costa@uol.com.br

Modesta conversa com o leitor

Quase um ano, vai por aí.

Recebi um e-mail de conspícuo leitor que, embora paulista e, por óbvia consequência, morador em São Paulo, conhece, como a palma da mão, considerável parte do território de minha admirada e querida Bahia, mormente a região da Chapada Diamantina.

Conta Antonio Molinari – este o nome do ilustre leitor a que me refiro – que fazia “uma excursão no noroeste baiano” e conheceu a região, pessoas, costumes, prosa, encantos e os mistérios de lá.

“Passara dez dias visitando a região; conhecendo grutas profundas, escuras como breu, com estalactites; tomado banhos de cachoeira; suportado um sol de arrasar; mergulhado em lagoas de águas cristalinas; comido muito requeijão, carne de sol, comidinhas saborosas e tomado cachaça feita pelos próprios consumidores”. 

Isto se deu, devo presumir, em idade relativamente jovem.

Em quadro assim, razoável entender que, à época, era peregrino das estradas e desbravador de sonhos.  

O atestado que a juventude carrega é o tempo, as coisas do tempo, o passar do tempo. Esse atestado, impregnado de experiência, permanece intacto durante toda a caminhada em direção à velhice.

Conta, ainda, Antonio Molinari, que aos 25 anos se casou com uma baiana de Rio de Contas, o que não deixa de ser uma façanha para quem conheceu a região nesse passar do acaso.

Dito leitor mandou-me texto alentado e bonito, escorreito, bem escrito, relatando os costumes e a gente simples da Chapada Diamantina.

Inobstante baiano, não conheço a região onde reinou absoluto Horácio de Matos, lendário coronel da Guarda Nacional.

Diz Antonio Molinari que procura “divulgar fatos e observações do cotidiano das pessoas que vivem ao nosso derredor”. Convenhamos, uma qualidade de observador atento aos detalhes e às coisas da vida.

Confesso que gostei do texto do leitor. Interessante, agradável, culto, essencialmente despretensioso, como deve acontecer com as pessoas humildes, internamente grandes, intrinsicamente nobres.

O leitor diz que encontrou este blog, casualmente, “navegando nesse mar imenso que é a internet”. E cita alguns trechos publicados neste espaço ao longo do tempo.

Penhoradamente agradeço. 

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Estas Palavras Rimadas de Laudney Mioli

Laudney Mioli e sua obra/Editora Lux

Já se vão, por aí, algumas décadas.

Os anos empurraram o tempo em direção à distância, mas trouxeram a saudade para mais perto.

Em 03 de janeiro de 1983 conheci Laudney Ribeiro Mioli, em São Caetano do Sul, pujante e bonita cidade do ABC Paulista.

À época este escrevinhador trabalhava na Matriz Publicidade, na Rua Manoel Coelho, empresa do Grupo 3 Irmãos e dirigida pelo publicitário Adilson Luiz, profissional responsável, meticuloso e, sobretudo, educado.

Laudney Mioli era superintendente comercial do Grupo 3 Irmãos. Confesso carregar a honra de ter passado algum tempo sob a experiência deste ilustre poeta do simpático município paulista de Adolfo e que enriquece a história paulista.

Em meado de 2023, Laudney Mioli lançou o livro Memórias em Versos & Rimas, muito bem acolhido por amigos, admiradores e público em geral. Já se vislumbrava na ocasião a boa avaliação da crítica que, de fato, o colocou em posição de merecido destaque.

Agora, no deslizar deste 2025, Laudney lançou estas Palavras Rimadas, agradáveis palavras de agradável autor.

Uma das muitas qualidades de Laudney é a humildade. Ele é impressionantemente humilde. Modesto, diz que não é poeta, inobstante a respeitável obra já lançada.

Pode não ser poeta um sujeito que compôs cerca de 3.000 estrofes em versos e rimas de tão boa qualidade, a exemplo do que ele se referiu à época de Memórias em Versos & Rimas?

Os livros – um e outro – são resultados desse caminhar pelo mundo da poesia. Segundo o autor, ele garimpou parte dessa monumental produção literária e a transformou no livro Memórias em Versos & Rimas. Agora prossegue com Palavras Rimadas.

A poesia suaviza nossos tropeços, torna os fardos da vida mais leve, flexibiliza o caminhar, aponta horizontes mais amenos.

Então, o homem é poeta, sim. E de respeitável e admirável gabarito. Mais do que isto: entrou para o universo dos bons e abalizados escritores.

Laudney estudou Administração e Marketing na Escola Superior de Administração de Negócios-ESAN, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).

É grande conhecedor de marketing, área que atuou durante muitos anos. Nota-se que agora ele se utilizou dessa frondosa experiência para publicizar, com bom humor, os louváveis lançamentos tanto de Memórias em Versos & Rimas quanto de Palavras Rimadas.

De minha parte, embora apoucado com essas minhas pobres palavras, congratulo-me com o momento de alegria e realização pessoal que Laudney está vivendo e lhe desejo retumbante êxito.

Sempre.

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Trechos adormecidos de Chorrochó

Costumo manter em meus alfarrábios – e isto vem de longe – as cartas que recebi ao longo do tempo, quando ainda se escreviam cartas e quando as amizades significavam muito na vida de todos.

Não somente cartas. Escreviam-se bilhetes, cartões, anotações, recados e uma série de demonstrações de afeto aos amigos.

Há correspondências divertidas de amigos e parentes retratando saudade e outras tantas confidenciais que, por serem confidenciais, obviamente dispensam referências.

Osvaldo Peralva (1918-1992), ícone do bom jornalismo (hoje a seriedade jornalística está escassa), disse em 1989, que “as cartas não mentem”. Guardei a observação.

Já se vão, por aí, trinta e seis anos. Nunca esqueci esse detalhe verdadeiro.

Quando a curiosidade me cutuca, remexo arquivos – aliás desorganizados,  que é um dos meus muitos defeitos – e chamo à memória lembranças e saudade de tempos idos e vividos.

Registro, hoje, uma saudosa correspondência sem data (não guardei o envelope com o carimbo dos Correios) recebida de Chorrochó.

A signatária era D. Regina Luíza de Menezes, à época Oficial do Registro Civil da comarca de Chorrochó, constando a lista dos nomes e respectivas funções dos serventuários da Justiça daquela comarca.

Na ocasião, o Juiz de Direito da comarca era Dr. Antonio Oliveira Martins e a promotora de Justiça a chorrochoense Drª Maria Joselita de Menezes.

A serventia era a mesma e pioneira da instalação da comarca em outubro de 1967, feito do prefeito Dorotheu Pacheco de Menezes e do governador Luís Regis Pacheco Pereira.

Já escrevi, alhures, não faz muito tempo, sobre D. Regina Luíza de Menezes e sua brilhante família.

Aliás, conheci todos aqueles serventuários, à exceção do Juiz de Direito titular, à época da carta a que me refiro.

Ei-los:

Registro Civil: Regina Luíza de Menezes;

Tabelionato: João Pacheco de Menezes;

Feitos criminais: José Eudes de Menezes;

Feitos cíveis: José Jazon de Menezes;

Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Protesto de Títulos: Virgílio Ribeiro de Andrade;

Avaliadores: José Claudionor de Menezes, José Claudio de Menezes e Osvaldo Alves de Carvalho;

Oficiais de Justiça: Carlos Bispo Damasceno, Manoel Dias dos Santos e Fabrício Félix dos Santos.

Como se trata de documento histórico, mantenho, isoladamente, a bonita assinatura de D. Regina que, aliás, consta em inúmeros documentos públicos expedidos pela comarca de Chorrochó no tempo em que ela foi titular do Cartório de Registro Civil.   

araujo-costa@uol.com.br

Patamuté, uma saudade

Demerval de Souza Alcântara /Taxú

Talvez apenas um registro, mas certamente uma grande saudade.

Demerval de Souza Alcântara (Taxú), amigo de todas as horas, que me socorreu em muitas de minhas dificuldades, que foram muitas em Patamuté.

Nunca me disse um não.

Até para vender fiado o conhaque Castelo quando nossa juventude boêmia lhe pedia socorro, em noites de serenata, na pacata Patamuté da década de 1960.

Esta foto é histórica. Guardo-a com carinho, porque significa muito em minha vida: amizade que nem a morte destruiu.  

Já escrevi outras vezes sobre Taxú e Celina Moreira, sua esposa, amiga que a passagem do tempo não apagou da memória.

Hoje é somente o registro da saudade e da lembrança do tempo que se foi.

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Só a sepultura é perpétua

“O homem é um ser entre o nada e o túmulo.” (Frase do padre português Pedro Gomes de Carmargo nos funerais do também padre Diogo Antonio Feijó)

Em idade septuagenária, não sei se chegarei muito adiante neste caminhar em direção às incertezas do desconhecido.

O caminho já se apresenta espinhoso, pedregoso, cheio de obstáculos. O caminhante um tanto trôpego, embora sustentado na fé e consciente das dificuldades para o prosseguimento da caminhada.

Uma de minhas filhas, em conversa sobre assuntos profissionais, me fez a seguinte pergunta, de supetão, em cima da bucha, exigente, quase pedindo explicação:

– Pai, e se o senhor morrer?…

Excluídas as reticências, por óbvio, enumerou uma série de consequências de minha morte, mudando  do  “se” para o “quando” – o que é mais certo – porque não se trata de uma questão condicional e evitável, mas inarredável de tempo e espaço.

Ciente da efemeridade da vida, aí me “caiu a ficha”.

É sinal que a família está preocupada com minha senilidade, o que faz muito bem. Ou já está me achando com um pé na beira da cova, prestes a escorregar túmulo abaixo.

Quiçá seja o desabrochar do etarismo, que conhecíamos na juventude como idadismo e  a geração de hoje seriamente detesta e se incompatibiliza.

Diz o escritor amazonense Mílton Hatoum que “a velhice pode ser um naufrágio”.

Se for assim – e se é assim – há tempo estou naufragando nas correntes caudalosas e perigosas das águas da vida, em direção ao estuário da finitude.

Então, deve ser tempo de alinhavar e engendrar as linhas do funeral, que não sei se está perto ou longe, mas será razoável que ninguém chore no dia da partida, embora todos tenhamos a liberdade de chorar (ou não).

Não compensará a tristeza, não valerá a pena o desalinho desse passar tão desimportante, porque “o homem é um ser entre o nada e o túmulo”.  

Sou efêmero e só a sepultura é perpétua.

Acho que é hora de acordar para refletir, já que todo esse tempo passado não fiz outra coisa senão sonhar.

araujo-costa@uol.com.br

O bajulador

Qualquer primeiranista de Direito sabe que o indiciado tem direito de comparecer à audiência de aceitação, ou não, da denúncia do Ministério Público, antes recebida pelo Poder Judiciário.

Direito de comparecer não significa obrigatoriedade ou dever de comparecer. A presença é dispensável.

Se não foi intimado a comparecer à audiência, o indiciado vai se quiser, mas não há impedimento legal para ir. A rigor, faz parte do direito constitucional de ampla defesa (Constituição da República, artigo 5º, inciso LV).

Comentarista da GloboNews afirmou no programa Em Pauta de 25/03/2025, que a presença do ex-presidente Bolsonaro no primeiro dia de julgamento da denúncia, foi uma forma de “tentar criar constrangimento” à Turma do STF.

Além de ser um desrespeito aos defensores do ex-presidente, que concordaram com a presença dele no Tribunal, o comentário é um desserviço à sociedade, porque distorce a verdade processual atrelada ao direito de defesa.

O direito constitucional de defesa não tem lado ou espectro político. Não é de direita, de esquerda, de centro ou de qualquer lado. Vale pra todos.

O comentarista confunde direito do indiciado com tentativa de constrangimento aos magistrados.

Excedeu na bajulação.  

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Obituário: algumas perdas de Patamuté nos últimos meses

“Não foram os anos longos e lentos que me envelheceram. Foram alguns minutos.” (Cassiano Ricardo, 1895-1974)

Nesses três primeiros meses de 2025, filhos e amigos de Patamuté ficaram entristecidos com a perda de pessoas muito queridas:

Em 13/01/2025 – Alice Alves Santana, nascida em 1928;

À esquerda Alice Alves Santana com familiares

Em 30/01/2025 – Adalto Bispo dos Santos, nascido em 1936;

Adalto Bispo dos Santos

Em 23/02/2025 – Edson de Souza Menezes, nascido em 1931;

Edson de Souza Menezes

Em 23/02/2025 – Otília Ferreira de Souza, nascida em 1935;

Otília Ferreira de Souza

Em 17/03/2025 – Lígia Maria Brandão Menezes, nascida em 1956;  

Lígia Maria Brandão Menezes

Faço este registro com o intuito de ajudar a perpetuar a memória dessas pessoas com as quais muitos de nós convivemos e deixaram imorredoura saudade.  

A vida, às vezes, vai optando por nós, por nossa presença. Outras vezes, vai nos dispensando, empurrando para a eternidade, deixando vazio, cutucando saudade, criando reflexões, revelando lembranças e devastando convivências.

Como disse Cassiano Ricardo, os minutos me envelheceram e me trazem essas saudades.

araujo-costa@uol.com.br

Ditadura dos imexíveis

“Brasil de ontem e de amanhã! Dai-nos o de hoje, que nos falta.” (Ruy Barbosa, 1849-1923).

Há crítico literário, social, político, crítico de ideias e por aí vai. E há, amiúde, crítico das circunstâncias.

Talvez inclua-me na última categoria. Casualmente dou minhas derrapadas e o faço quando tropeço em estridentes injustiças, mormente praticadas por poderosos contra desamparados, miseráveis, famintos e os que não têm voz, dentre muitos.

Insurjo-me, outrossim, contra autoridades arrogantes que se elevam acima dos ombros dos demais à custa do dinheiro público. Mas estou cônscio de que, nessa altura da vida, não verei o Brasil que minha geração sonhou.

Amigo de longa data que sabe de minhas noites insones, telefonou alta madrugada. Falou alhos e bugalhos.

Mais do que isto, incluiu na conversa, referência  a alguns de meus escritos que, segundo o notívago invasor de meu silencioso sossego, ele não concorda, nunca concordou, tampouco concordará nalgum dia.

Concordando ou não, argumentei que ninguém pode se achar imexível, principalmente quem vive lambuzado no dinheiro público decorrente dos impostos que todos pagamos, inclusive os miseráveis.

Terminamos a conversa, já ao amanhecer. Ambos concordamos num ponto: o Brasil está passando por uma fase difícil e vergonhosa, porquanto estão mutilando seus pilares democráticos.

Sub-repticiamente estamos sendo censurados, vigiados e, em consequência, tolhidos no direito de expressão e de liberdade de pensamento e, sobretudo, diminuídos na condição de cidadãos.   

“O Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou a abertura de uma licitação para contratar uma empresa que será encarregada de monitorar as redes sociais sobre conteúdos que envolvam a Corte.

O Supremo quer saber tudo que se fala sobre ele nas redes sociais. A empresa que vencer a licitação fará um acompanhamento ininterrupto do Facebook, Twitter, Youtube, Instagram, Flickr, TikTok e Linkedin” (Veja, 16/06/2024, CNN Brasil, 17/06/2024).

O valor do dinheiro público torrado pelo STF para bisbilhotar os brasileiros beira R$ 345 mil por um ano.

“Segundo o edital, publicado em 14 de junho, o valor máximo para contratar o serviço é de R$ 344.997,60” (CNN Brasil, 17/06/2024).

Isto tem outro nome: prática ditatorial.

O ataque à cidadania está sendo feito às escuras, em nome da democracia. Aí está o perigo que redunda na degenerescência de nossas instituições, outrora vistas como sérias e respeitáveis e hoje não mais, porque questionáveis.

No período da ditadura militar (1964-1985), os brasileiros eram vigiados pelo temido Serviço Nacional de Informações (SNI) e os que mandam no Brasil de agora criticavam.

Hoje, basta o entendimento arrevesado de um tribunal ou de um magistrado afoito e destrambelhado para que a privacidade dos cidadãos seja invadida ao arrepio da Constituição Federal.

O Frade dominicano Carlos Alberto Libânio Christo (Frei Betto) diz, apropriadamente: “Quem tem pescoço sabe que a diferença entre a corda e a gravata está nas mãos de quem ata.”

Estamos diante do dilema da corda e a gravata em que a feitura do nó cabe aos imexíveis de nossa combalida República.

araujo-costa@uol.com.br