Partidos políticos, triplex e elite suprema

“Há de o tempo desvendar o que hoje esconde a discreta hipocrisia” (Shakespeare)

É indiscutível que os partidos políticos são essenciais ao exercício democrático, de modo que não existe democracia plena sem agremiações partidárias.

Todavia, não temos partidos políticos conceitualmente considerados, mas um amontoado de interesses em benefício de dirigentes, asseclas e parasitas do dinheiro público.

Nessas eleições previstas para outubro vindouro, temos clareza de sobra para entender que nossos partidos políticos são apenas incoerentes arcabouços jurídicos desprovidos de ideário, todos indiferentes às necessidades da população e de olho no bilionário fundo partidário.

Exemplo: em pelo menos 15 estados, o PT se aliou a partidos políticos que apoiaram o impeachment de dona Dilma Rousseff. Muitos desses partidos fizeram ou fazem parte da base governista do presidente Michel Temer, que os petistas dizem inimigo.

Em 2016, para o PT, esses partidos e seus integrantes eram “golpistas”, inimigos ferrenhos. Hoje são aliados de primeira hora. Onde está a coerência programática?

No Ceará, por exemplo, o canibal PT ameaça engolir seu senador José Pimentel e o proibir de disputar a reeleição, para estrategicamente permitir a vitória do também senador Eunício Oliveira, do MDB de Michel Temer, que ajudou a derrubar a petista dona Dilma Rousseff do governo.

A presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann, que coordena essas composições estaduais a mando de Lula da Silva, passou a ser amiga de infância dos políticos que contribuíram para o afastamento de dona Dilma e que o PT os denominava golpistas.

Triplex

Lula da Silva está preso, por enquanto, exatamente em razão do famoso triplex do Guarujá, que ele diz nunca ter sido dele, mas a Justiça assegura que dispõe de robustas provas que dizem que é e são suficientes para condená-lo.

Ironia. Agora o PT inventou uma chapa triplex, para disputar a eleição presidencial de outubro. A chapa é composta de Lula da Silva, do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad e da comunista Manuela D’Avila. É um engendramento informal, nada mais do que isto.

Assim, não é bem chapa, mas uma expectativa de chapa, com o intuito de escarafunchar brechas na legislação eleitoral e viabilizar a eleição de Lula da Silva. É o direito de espernear, o jus sperniandi.

Ainda não se sabe onde o PT vai chegar com essa inovação eleitoral, mas isto não tem nenhuma importância. O partido é mestre em esquisitices.

A elite suprema está com miopia

O Supremo Tribunal Federal propôs incluir na proposta orçamentária de 2019 um reajuste de 16,38% nos vencimentos de seus supremos ministros, o que elevaria a despesa do Tribunal em R$ 2,77 milhões por ano e causaria um impacto sobre todo o Poder Judiciário da ordem de R$ 717,1 milhões anuais, segundo estimativa preliminar dos técnicos.

O impacto se dará também sobre Executivo e Legislativo. Em consequência, todos terão direito a aumento de vencimentos, o chamado efeito cascata, porque o teto do Judiciário servirá como parâmetro para os demais funcionários públicos das outras esferas de poder.

Parece que o Supremo Tribunal Federal está míope e não enxerga as dificuldades econômicas e sociais pelas quais passa o Brasil, tampouco os quatorze milhões de desempregados.

O STF é uma elite que está precisando de cuidados. E esses cuidados dependem da vigilância da sociedade.

araujo-costa@uol.com.br

Parte da esquerda não leva o Brasil a sério

“Nada está mais próximo da ingenuidade do que a malícia levada ao extremo” (San Tiago Dantas)

Francisco Clementino de San Tiago Dantas, jornalista e advogado, considerado em sua época – décadas de 1950 e 1960 – o mais abalizado intelectual da esquerda moderada brasileira, foi deputado federal e ministro das Relações Exteriores do Brasil.

A esquerda do Brasil hoje precisa buscar a lição, ensinamento e ponderação de San Tiago Dantas: “Nada está mais próximo da ingenuidade do que a malícia levada ao extremo”.

Este parece ser o caso do Partido dos Trabalhadores e aliados, ingenuidade mais do PT do que dos aliados: a insistência em manter a candidatura de Lula da Silva no quadro eleitoral de disputa à presidência da República.

Disputar é direito de Lula da Silva, isto não se discute. Contudo, para um ex-presidente da República que apregoa a todo momento a defesa da democracia é, no mínimo contraditório, rebelar-se contra as instituições nacionais, dentre elas o Poder Judiciário.

Sempre entendi que a prisão de Lula da Silva é inoportuna, tendo em vista o dispositivo constitucional que assegura aos condenados de um modo geral – e não somente a Lula – o direito de não ser preso enquanto houver recurso pendente de julgamento. E Lula tem diversos recursos à espera de decisão da Justiça.

Entrementes, o que está acontecendo não é exatamente a discussão jurídica da situação prisional de Lula da Silva, mas o movimento “sem noção” criado pelo PT sob o título “Lula livre”. Explico: a soltura de Lula da Silva não depende de paixões políticas de seus seguidores, mas de obediência ao estado de direito. Isto vale para o Brasil e qualquer país do mundo.

Insurgir-se contra a prisão injusta é direito inalienável do preso, mas para isto existem seus advogados que, no caso de Lula da Silva, são defensores de inegável astúcia e capacitação jurídica.

A Justiça mandou prender, a Justiça que mande soltar, dentro dos trâmites processuais e no momento próprio.

Não estamos em regime de exceção, como diz o PT, tampouco as instituições nacionais passam por estado crítico a ponto de a prisão de Lula da Silva, que se estriba em crime comum, ser entendida como prisão política.

Trata-se de ingenuidade partidária do PT. A sociedade sabe o que Lula da Silva fez e quem o acompanhou nessa conduta reprovável e, por extensão, sabe quais as decisões contrárias à lei e à ética que ele tomou.

Os eleitores também sabem, inclusive os de Lula que, não obstante, continuarão votando em seu nome, se a Justiça Eleitoral permitir, independentemente do que ele tenha feito.

Se a Justiça decidir que Lula da Silva deve participar das eleições de outubro, tudo bem. Mas através do caminho legal e não se subjugando a pressões destrambelhadas de seguidores lulopetistas.

O mínimo que se espera é que o Supremo Tribunal Federal obedeça à lei e aos mandamentos da Constituição da República e não se ajoelhe diante da vontade política de seus ministros.

Mandar prender após condenação em segunda instância é aberração processual e isto é o que o STF está fazendo. Não importa se com relação a Lula da Silva ou milhares de condenados que estão na mesma condição e o PT nunca defendeu.

“Pimenta nos olhos dos outros é refresco”, mas a pimenta ainda não tinha caído nos olhos petistas. Agora o PT ficou sabendo que só em São Paulo há pelo menos quinze mil presos na mesma situação de Lula da Silva. Vai defendê-los?

O PT tem juristas e mestres respeitáveis em seus quadros e sabe que a prisão de Lula da Silva não é política, mas em razão de crime comum. Qualquer estudante de Direito sabe disto. Até leigos sabem disto.

Insistir nesta idiotice é menosprezar a inteligência dos brasileiros e malícia levada ao extremo. Nada mais do que isto.

A julgar pela quantidade de ex-dirigentes petistas condenados pela Justiça, alguns presos,  é difícil acreditar que o partido esteja preocupado com o Brasil.

Como se vê, parte da esquerda não leva o Brasil a sério, mas apenas os seus bolsos,  ávidos por dinheiro público

araujo-costa@uol.com.br

Curaçá: Theodomiro Mendes da Silva, uma lembrança.

Theodomiro Mendes/Álbum de Theodomiro Mendes Filho

Nossa amizade nasceu em junho de 1968 na igreja de Santo Antonio, em Patamuté.

Padre Adolfo Antunes da Silva, vigário de Curaçá, fazia alguns batizados. Theodomiro e eu estávamos presentes e ali mesmo diante das bênçãos de Santo Antonio a amizade se principiou, germinou, nasceu. Depois floresceu, perdurou, nunca morreu, não podia morrer, não devia morrer.

Já escrevi alhures sobre Theodomiro Mendes da Silva. Lembrei casos pitorescos que vivemos e até, em certos momentos, me serviram de lição, além de contentamento e estímulo para o prosseguimento da caminhada.

Há algum tempo me debrucei sobre uma tarefa ingente, mas precisei suspendê-la: a quase-biografia de Theodomiro. Quase-biografia, porque não me acho capaz de retratar, fielmente, a riqueza de sua vida, de seu caminho percorrido, de sua luta. Destemido, sabia enfrentar situações difíceis sem empurrar o adversário em direção à queda.

Seguro de suas convicções, Theodomiro não abdicava das posições que defendia, mesmo que soubesse inapropriadas para a ocasião. Ao contrário, tinha determinação para caminhar em busca do que pretendia fazer e sustentava-se em si mesmo.

Entretanto, minhas pesquisas encontraram alguns obstáculos, dentre eles a escassez de tempo para entrevistar pessoas mais próximas de seu convívio, parentes, familiares, amigos da época, quem restou do que passou. E passaram muitos.

Caatingueiros ele e eu, a diferença é que vim de um berço muito pobre, nascido nos barrancos do Riacho da Várzea, em meio a cactos e pedras disformes, amarfanhado pelas intempéries da seca e ele descendia de família bem posta e estruturada de Patamuté.

Desde jovem sempre me imbuí do intuito de guardar confidências de amigos. Talvez por isto tenha mantido alguns até hoje e outros tantos não suportaram minha pequenez e disseram adeus ao longo do caminho.

Um dia, em Salvador, Theodomiro e eu fomos conversar num bar na Rua da Ajuda, à noite, imediações da Rua Chile. Guardo gratas lembranças daquele momento: ele demonstrou impressionante generosidade, desprendimento, consideração, vontade de ajudar a quem dele precisasse. Quase uma contrição, um ajoelhar-se diante da esperança de vencer as dificuldades. Acho que chegou lá.

Contudo, isto é assunto para mais vagar, mais tempo, mais espaço, mais coragem para enfrentar o tumulto das emoções.

À época eu fazia treinamento na Secretaria de Segurança Pública da Bahia, condição exigida para assumir o cargo de chefe do primeiro Posto de Identificação de Curaçá, criado por Theodomiro em sua primeira administração como prefeito. Ele fazia questão de acompanhar meu desempenho, como se amparasse minha inexperiência e abrandasse a arrogância de jovem que queria consertar o mundo. Contente engano aquele meu. Hoje vejo os escombros do fracasso de minha geração.

Theodomiro tinha alguns amigos, não direi poucos, não direi muitos, porque não conheci todos. Um deles era Aristóteles de Oliveira Loureiro, conhecido como Tote.

Líder político incontestável, Theodomiro conseguia eleger qualquer nome que indicasse e Tote foi um agraciado. Tote era um sujeito decente, experiente, caminheiro de velhas estradas na política de Curaçá. Eles andaram juntos em determinada quadra do tempo.

A relação entre ambos situava-se muito próxima. Theodomiro era casado com D. Valdeth Conduru Mendes, mais tarde primeira-dama elegantíssima e educada, à semelhança de D. Adalice Conduru Loureiro, esposa de Tote.

De família tradicional, respeitável, curaçaense da gema, referência de seriedade e decência, Tote sabia conjecturar, engendrar, alinhavar acordos. Sorriso quase irônico, temperamento calmo, discreto, sábio, inteligente, sagaz, Tote conhecia os meandros da política de Curaçá e os dominou por algum tempo.

Aprendi com Theodomiro que não se deve misturar amizade com política. Como é difícil separar! Não dá certo, nunca deu certo, nunca dará certo. Grande lição, também aprendi a ter cautela ao ouvir conversa de político. Convém saber no que devemos acreditar.

Houve alguns episódios entre nós. Entretanto, Theodomiro e eu continuamos amigos até ele morrer. Nossa amizade não podia acabar na esquina de uma situação política transitória, insignificante, passageira.

Já morando em São Paulo, fui passar uns dias nas caatingas de Patamuté. Aproveitei para fazer uma visita a Theodomiro em sua casa em Curaçá, nas proximidades do Teatro Raul Coelho.

Conversamos muito. Conversa saudosa, calma, sem pressa de acabar. Amigo atencioso, prestativo, fidelíssimo, entendeu a visita, absorveu as lembranças, laborou nas reflexões. Nunca mais nos vimos.

Theodomiro era mestre na arte da política. Caatingueiro astuto de Patamuté, sabia engendrar, sabia articular, sabia conspirar e sabia entender o âmago das pessoas.

Li, tempos depois, um texto escrito pelo ínclito e conspícuo curaçaense Omar “Babá” Torres, que citava a sabedoria mineira: “na política, o melhor é não falar. Se falar, não diga; se disser, não escreva; se escrever, não assine, mas se tiver que assinar, assine com a mão errada”.

Honra e glória de Patamuté, Theodomiro Mendes da Silva foi um dos melhores amigos que tive nesta minha vida de tropeços. Sinto muito sua falta, mas como diz o caipira do interior de São Paulo, “ele foi antes do combinado”. Coisas da vida ou da morte. Ou do imponderável.

araujo-costa@uol.com.br

O PT quer derramar o munguzá de Ciro Gomes

O ex-governador cearense Ciro Gomes sempre apoiou Lula da Silva, bajulando-o pelo menos durante dezesseis anos. Foi adulador contumaz do cacique petista e até seu ministro.

Entretanto, no frigir dos ovos visando as composições eleitorais do primeiro turno das eleições de outubro próximo, o PT o defenestrou, cônscio de que corre perigo tendo-o em sua companhia na corrida eleitoral, até mesmo na condição de aliado.

Ciro Gomes diz que se surpreendeu com a decisão do PT. Lorota. Ele conhece o PT a fundo, mas não quer admitir a ingratidão sofrida e tem esperança que a situação mude.

Trata-se de canibalismo habitual do PT: devora os próprios aliados quando vê seu poder ou expectativa dele ameaçado.

Com o imbróglio da prisão de Lula da Silva, que comanda as negociações políticas de dentro do cárcere, o PT não tem mais tempo para fazer composições e atrair aliados.

Desesperado, o PT mete os pés pelas mãos. Alijar de sua chusma uma liderança do quilate de Ciro Gomes parece mais suicídio político do que estratégia eleitoral. Convenhamos, não é uma boa astúcia.

Lula da Silva – que sabe tudo de negociação política e entende de maracutaias como poucos – orientou o PT para deixar Ciro Gomes de lado, por enquanto, já que, em conjecturas, o cearense não aceitou ser vice na suposta chapa presidencial de Lula que, tudo indica, disputará a eleição sub judice.

O problema é que há uma diferença sutil entre candidatura sub judice e candidato inelegível. Sutil, mas considerável.

Concernentemente ao caso de Lula da Silva, parece razoável entender que ele se situa no campo da inelegibilidade, porque foi condenado por órgão colegiado e isto é o que a lei prevê para o candidato tornar-se inelegível.

A disputa sub judice é possível, natural e comum na Justiça Eleitoral. Não há novidade nisto. Lula se valerá dessa situação para manter-se vivo politicamente. Não há outro caminho.

Todavia, como tudo está ainda muito nebuloso, o previsível é que o PT vai registrar a candidatura de Lula da Silva no último momento permitido pelo calendário eleitoral. O resto virá depois e será discutido juridicamente nos tribunais.

O PT quer derramar o munguzá de Ciro Gomes e queimar sua chance eleitoral nas urnas de outubro.

Se não houver recuo do PT, quando a ficha de Ciro Gomes cair, os televisores não poderão ser ligados na presença de crianças. Ele é especialista em palavrões e nisto se parece adequadamente com seu guru Lula da Silva.

araujo-costa@uol.com.br

Macururé e Raimundo Reis

Raimundo Reis de Oliveira (1930-2002), baiano de Santo Antonio da Glória, antiga Curral dos Bois, hoje simplesmente Glória, sertanejo de espírito irreverente, advogado, político, jornalista, cronista, escritor e radialista. No tempo em que os partidos políticos ainda não eram esse amontoado de excrescência de hoje, foi deputado estadual pelo antigo PSD da Bahia, a maior escola política, filosófica e partidária do período 1946-1964.

Inteligente e espirituoso, apaixonado pelo sertão e por Macururé, que ajudou a tornar município, escreveu muita coisa ao longo de sua existência de intelectual.

Ele e João Carlos Tourinho Dantas, colegas na legislatura de 1959-1963, foram os responsáveis pela aprovação da lei que, em 1962, elevou Macururé à categoria de município, emancipando-o de Glória.

O biógrafo de Raimundo Reis, se um dia existir, terá que estudar muito sobre Macururé. Certamente sua tarefa será facilitada se priorizar, com afinco, o papel que o Partido Social Democrático teve no sertão baiano.

Dentre os muitos textos que escreveu sobre Macururé, no final da década de 1950 Raimundo Reis fez uma crônica bem humorada, depois publicada em seu livro Geografia do Amor, da qual extraio a seguinte parte:

“Era observador do município de Macururé junto à Conferência Internacional da OEA. Em lá chegando, logo no primeiro dia, criou-se com minha presença um caso que quase toma ares de conflito. Ao apresentar meus documentos, o presidente da Comissão de Credenciais levantou a dúvida, afirmando sem base geográfica:

 – Macururé não existe.

Observei, modesto, o seu engano, esclarecendo que lá era o berço natal de Corisco* e Pente Fino, famosos cabras de Lampião. Que o maior tocador de sanfona do Nordeste morava naquela cidade.

Ele, por acaso, não tinha ouvido falar em Divina, a morena mais bonita de todo o sertão, que já tinha virado mais de dez caminhões, pois motoristas apaixonados tinham imprimido velocidade demais aos veículos para chegarem mais cedo aos seus braços de amada?

O presidente era um desinformado. Não sabia nada. Como a maioria dos diplomatas, pertencia a outro mundo.

Quem salvou a situação foi o chanceler Luís Viana Filho que, no momento, entrava no recinto. Deu a sentença final:

 – Macururé existe, sim. Tive lá 50 votos para deputado federal nas últimas eleições, que me foram dados por uns parentes da minha correligionária Ana Oliveira”.

Raimundo Reis escreveu alguns livros, dentre esses Zé do Brejo, lançado por uma editora que tinha o sugestivo nome de Várzea da Ema. Tirei de lá e transcrevo o texto abaixo:

“Antes de mais nada, continuar a viver. Sem levar a sério as coisas e a nós mesmos. Não cultivar ou alimentar ódios. Fazer do amor uma oração de todas as horas.

Desprezar os maus e conviver com os bons. Respeitar a eloquência da mediocridade e exaltar o silêncio dos sábios. Achar graça da empáfia dos poderosos, esperando o dia de confortá-los nos instantes da queda próxima. Buscar a beleza em todas as suas manifestações.

Trabalhar sem fanatismo. Usar o dinheiro antes que ele nos use. Ajudar aos outros sem esperar gratidão. Ter em casa um cachorro, uma biblioteca e, pelo menos, duas garrafas de uísque.

Depender o mínimo dos outros. Saber uma oração ou uma música. Ser simples. Para ser feliz, basta um pouco de filosofia, não a dos livros, mas a que descobrimos num por de sol ou num adeus sem volta”.

E terminou o texto, assim: “Descobri que não sou. E não sendo, o resto tem pouco ou nenhuma valia”.

Raimundo Reis era encantador. Um dia me chamou de “ínclito filho de Patamuté”. Senti-me lisonjeado. Sou até hoje.

Faleceu em dia de festa, 24 de dezembro de 2002.

Raimundo foi festivo até na morte.

Noutros tempos, frequentei muito Macururé e tomava cachaça Aquino no bar de Silvino ouvindo músicas de Nelson Gonçalves. Lembro muito os lugares por onde andei.

A memória, embora esburacada pela passagem dos anos, trouxe-me hoje Macururé e essa crônica de Raimundo Reis no aniversário daquele simpático município. Coisas da saudade.

* Salvo engano, a história registra que o cangaceiro Cristino Gomes da Silva Cleto (Corisco) nasceu em Água Branca, Alagoas, em 1907. Raimundo Reis, profundo conhecedor do cangaço, sabia disto, mas enfeitou a crônica para torná-la mais interessante.

araujo-costa@uol.com.br

 

O Juiz eleitoral

Eleições na Bahia, outubro de 1962.

O general Juracy Magalhães era governador e exercia poderosa influência sobre líderes municipais. Famoso tenente na década de 1930, integrante do movimento tenentista que derrubou o presidente Washington Luiz, habituado a mandar nos quartéis, Juracy também passou a mandar na Bahia.

Era anticomunista roxo.

Na marcha das apurações em Santo Antonio de Jesus, recôncavo baiano, as urnas asseguravam expressiva votação ao jornalista Sebastião Nery, candidato a deputado estadual pelo Movimento Trabalhista Renovador (MTR), socialista convicto e baiano de Jaguaquara.

O juiz eleitoral, subserviente ao governador, na hora de preencher o mapa da apuração, espantou-se com o resultado do candidato e perguntou ao membro da junta apuradora:

– Quantos votos para Sebastião Nery?

– 160, Doutor.

– Corta o zero. Bota no mapa só 16. O que o governador vai pensar de mim se este comunista ganhar em minha comarca.

E sumiu com 144 votos de Sebastião Nery.

Como se vê, havia juízes e juízes. Ainda hoje.

araujo-costa@uol.com.br

Fonte: Sebastião Nery

Chorrochó, tempo de contar: Maria Ita de Menezes.

“Há tempo de amar e tempo de amar o que se amou” (Marques Rebelo, 1907-1973).

Começo pela descendência: Jorge Jazon Cordeiro de Menezes, Jaílson José Pacheco de Menezes, Ita Luciana Menezes de Menezes e James George Cordeiro de Menezes.

A descendência é a continuidade da vida, o bálsamo para perfumar o caminho, às vezes árduo, às vezes espinhoso e a doçura que facilita o enfrentamento dos tropeços ao longo do caminhar.

Assim é o escrever da vida. Assim são as surpresas e assim é o imponderável da construção familiar.

Essa descendência de Maria Ita de Menezes e de José Jazon de Menezes está aí para contar a história mais à frente, anos adiante, porque nos dias de hoje contamos nós, os mais antigos, os que chegamos primeiro no tecer da vida. E certamente contarão competentemente, eficientemente.

Incluo a descendência neste andar, porque são os filhos que, em princípio, sustentarão a robustez das raízes de Ita e Jazon. São raízes fortes, seguras, firmes. Os alicerces foram bem estruturados, a construção moral segura e perene.

Meu primeiro contato com Maria Ita de Menezes deu-se em consequência de minha matrícula no então Colégio Normal São José, de Chorrochó.

Estávamos lá nos idos de 1971. Ela era professora de Geografia. Cabe um salvo engano aqui, por conta de um detalhe: em razão da ausência de estrutura do colégio, alguns professores ministravam mais de uma disciplina, o que de certa forma aproximava alunos e professores.

Contraditoriamente, a precariedade das condições de ensino à época e, neste caso, foi saudável para agigantar a qualidade dos mestres que tivemos no Colégio São José. Maria Ita de Menezes incluiu-se dignamente na história da educação de Chorrochó.

A instituição familiar representada pelos Menezes de Chorrochó é, até hoje, uma universidade de bons exemplos e de contribuição para o engrandecimento do lugar.

Convivi com essa família, numa quadra do tempo. Daí e dessa convivência, guardaram-se a amizade e algumas lembranças que me alegram até hoje, nos momentos de solidão. São muitos e frequentes esses momentos, porque a passagem do tempo nos fragiliza e a saudade faz constantes e inesperadas visitas.

Maria Ita de Menezes vem de uma família exemplar de Chorrochó. Exemplar, em razão do caráter e em razão da história de vida que ostenta, na sociedade local: o pai, Antonio Pacheco de Menezes; a mãe, Maria Argentina de Menezes; e os irmãos Maria de Lourdes Menezes Araujo, Maria Nicanor de Menezes Veras, Maria Joselita de Menezes, Francisco Lamartine de Menezes, Walmir Prudente de Menezes, Antonio Pacheco de Menezes Filho, Maria Agripina de Menezes, José Osório de Menezes e Maria Eugênica de Menezes.

Penitencio-me se, por conta de minha esburacada memória, omiti ou grafei alguns nomes com incorreção, tanto dos filhos quanto dos pais e irmãos de Maria Ita de Menezes.

Contudo, o que importa aqui, neste tempo de contar, é o registro que faço sobre a importância que Maria Ita de Menezes representa na vida de grande parte da sociedade local, enquanto professora e, até em certos momentos, orientadora paciente e atenciosa.

Ao caminhar, o cronista quase sempre se perde e se acha. No seguir da vida e na passagem do tempo aparecem-lhe as lembranças, a saudade, as marcas dos tropeços, a reverência às amizades que lhe são caras.  Surge “o tempo de amar o que se amou”. É difícil não continuar amando Chorrochó daquele tempo e de hoje.

Quando jovem precisamos de orientação, de conselhos, de amparo. A opinião dos mais experientes nos dá o prumo, o rumo, o norte. Eu precisei muito disto.

Em 31/01/2013 escrevi uma crônica sobre José Jazon de Menezes sob o título A lâmina do tempo. Lá eu dizia que Jazon constituiu família nobre em Chorrochó o que, de resto, todos sabem..

Hoje acrescento tão-somente que esta nobreza familiar tem um significado inegável para a história local: a robusta participação de Maria Ita de Menezes, educadora e ícone da sociedade chorrochoense.

araujo-costa@uol.com.br

A degradação da arte

Quando o cardeal D. Avelar Brandão Vilella, que foi o terceiro bispo da diocese de Petrolina, era arcebispo da Bahia e primaz do Brasil, o escritor Jorge Amado lhe pediu autorização para gravar uma cena de Os pastores da noite no altar da Igreja do Rosário dos Pretos, na ladeira do Pelourinho, em Salvador. O cardeal autorizou.

Por coincidência, o cineasta Bruno Barreto estava gravando o filme Dona Flor e seus dois maridos, também baseado na obra de Jorge Amado, encontrou a igreja aberta e filmou a cena em que o autor José Wilker aparecia nu, descendo a ladeira do Pelourinho entre fiéis que saíam da missa. Mas a tomada da cena de nudez não foi feita no interior da igreja.

Deu uma confusão danada. Os conservadores fizeram barulho, disseram que o “aquilo” de José Wilker, que fazia o papel de Vadinho, estava de fora, o que não era verdade, porque havia um tapa sexo e Jorge Amado teve que explicar a D. Avelar que tudo não passara de um mal entendido e que a autorização concedida era para gravar Os pastores da noite e não Dona Flor.

Elegantemente D. Avelar aceitou os argumentos e continuaram amigos.

Hoje pessoas que se dizem defensoras das artes, ao seu talante, espezinham símbolos da igreja católica e até usam imagens de santos de forma degradante.

Sequer comunicam às autoridades eclesiásticas sobre a intenção de se valerem de tais símbolos em nome da arte, que não é arte coisa nenhuma.

Não há cuidado, não há respeito à fé alheia, não há decência. Em nome da arte.

araujo-costa@uol.com.br

 

 

O Tribunal de Justiça da Bahia está de costas para a população

Neste tempo de monumental crise por que passa o Brasil e, por óbvia consequência, estados e municípios, chega a ser obscena a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia no sentido de comprar 80 carros novos, ao custo unitário de R$ 98 mil e total aproximado de R$ 7,8 milhões, para uso de seus 61 desembargadores.

Alega o Tribunal que os atuais veículos usados pelos senhores desembargadores têm quatro anos de uso e, “por serem importados, há uma grande dificuldade para encontrar e substituir os componentes originais quando apresentam defeitos”.

O patético argumento do Tribunal de Justiça baiano não encontra amparo em nenhuma lógica plausível. Primeiro, porque não se justifica adquirir veículos importados quando há similares no mercado nacional e, segundo, porque também não se justifica que um veículo com quatro anos de uso seja considerado imprestável a ponto de colocar “a segurança dos desembargadores em risco”, consoante alega o Tribunal.

Para completar o descalabro, o juiz de uma das varas públicas de Salvador disse ser certo “que a questão do congestionamento processual envolve aspectos outros, mais complexos, além do propriamente financeiro” e que o responsável pela compra dos veículos é o Estado da Bahia e não o Tribunal de Justiça, o que dá na mesma e piora a situação.

A afirmação daquele juiz autoriza a entender que o Estado da Bahia vai indo financeiramente muito bem, o que todos sabem que não é verdade, a julgar pelo caos na segurança pública e problemas na área da saúde, para ficar nestes dois exemplos.

Ademais, há algum tempo, não muito longe, o Tribunal de Justiça da Bahia iniciou um movimento de desmonte de sua estrutura, mormente no interior, de modo que os serviços de diversas comarcas foram ou estão sendo absorvidos por outras, em flagrante prejuízo às populações locais.

Na ocasião, salvo melhor juízo, o principal argumento do Tribunal, para colocar comarcas em inatividade e abarrotar outras de serviços era este: não havia recursos, o Tribunal não tinha dinheiro para arcar com as despesas das comarcas, inclusive vencimentos de servidores.

Como se vê, a condição financeira do Tribunal de Justiça da Bahia hoje deve ser confortável e, diante disto, pode adquirir veículos novos e caros para seus 61 desembargadores.

Onde já se viu desembargador andar em carro com quatro anos de uso? Isto é para os pobres mortais.

Alega o Tribunal que a condução de Suas Excelências “deve ocorrer com segurança, conforto e agilidade”, o que todos estamos de acordo, mas não significa concordar que um veículo com quatro anos de uso não reúna condições para isto.

Todavia, nem tudo está perdido e o Tribunal foi cauteloso ao exigir da fornecedora dos veículos que os mesmos sejam entregues com os tanques cheios de combustível e asseguradas três revisões.

Certamente o Tribunal entende que isto é suficiente para evitar a ruína das finanças públicas e assegurar os indispensáveis serviços jurisdicionais de que necessitam os baianos.

O Tribunal de Justiça da Bahia parece não saber que a maioria dos brasileiros que tem carro não pode trocar de veículo a cada período de quatro anos, assim como fazem as subidas Excelências baianas.

Diante disto, é razoável entender que a elite judiciária da Bahia está regendo a função judicante de costas para a população.

araujo-costa@uol.com.br

O ministro do Trabalho que não gostava de trabalhar

Num evento que só tinha gente grande – e eu estava lá de enxerido – conversa vai, conversa vem, o assunto resvalou para a esfera do governo federal.

Quando não se tem assunto em qualquer reunião, para evitar que os convidados fiquem olhando uns para os outros, com cara de galo, sem assunto, com copos na mão, a melhor estratégia é falar mal do governo, qualquer governo, não importa se forte ou fraco, se municipal, se estadual, se federal.

Dá certo, sempre. Todo mundo concorda em espinafrar os governantes de plantão, exceto aqueles que se beneficiam dos cofres públicos. Para estes não existe governo ruim, porque vivem pendurados em generosas tetas e resistem em largá-las.

Estávamos na semana em que o ministro do Trabalho de Michel Temer, senhor Helton Yomura, envolvido numa enrascada sem tamanho, foi obrigado a pedir demissão.

A Polícia Federal o acusou de participar de um gigantesco esquema de fraude no Ministério do Trabalho.

O ministro pegou o boné e escafedeu-se.

Na ocasião, eu disse que o país que tem 14 milhões de desempregados, ou perto disto, não precisa de ministro do Trabalho. É inútil. Pra quê? Qual a função dele? Ser ministro. E só.

Uns concordaram, outros discordaram, a discussão ficou acalorada e eu saí de mansinho e fui embora. Melhor cantar noutro terreiro.

Agora descobrimos o que faz um ministro do Trabalho. Cuida de maracutaias.

No Brasil é assim. A esquerda, que nunca gostou de trabalhar, mas de fazer barulho, empanturrou o País de sindicatos. Há sindicatos para tudo, em qualquer esquina. Uma fonte de ociosidade, com as honrosas exceções, porque há sindicatos sérios, realmente preocupados com seus membros. É o caso dos inúmeros sindicatos dos trabalhadores rurais que arrostam dificuldades e estão espalhados por todo o Brasil.

Há até conflito entre sindicatos na mesma base territorial, porque alguns dizem que representam categorias já representadas por outros.

Para fundar um sindicato é simples. Basta declinar uma categoria, mesmo que não exista, pedir a inscrição no Ministério do Trabalho e aguardar o registro.

Como são muitos pedidos, os registros atrasam, a burocracia entra em cena e aparece a corrupção, aquela velha senhora milenária que está ao mesmo tempo em todas as repartições públicas.

Aí, um dos interessados no registro do sindicato oferece dinheiro aos responsáveis pela liberação no Ministério do Trabalho e não se fala mais nisto: surge mais um sindicato na constelação dos desocupados para viver à custa dos impostos que os brasileiros pagam, além das contribuições dos que realmente trabalham com carteira assinada.

A Polícia Federal disse que a função do ministro do Trabalho de Michel Temer era participar de fraudes envolvendo registros de sindicatos, uma espécie de testa de ferro de políticos inescrupulosos.

Sejamos justos. Com tanta ocupação, como o ministro tinha tempo de trabalhar?

araujo-costa@uol.com.br