Em Juazeiro, uma estátua polêmica

“Não são de heróis as estátuas que nos habituamos a reverenciar em praça pública” (Italino Peruffo, 1925-1992) 

Em São Paulo, há uma estátua de Borba Gato (1649-1718), bandeirante que a história diz escravocrata, escravizador. A estátua começou a ser erguida em 1957 e inaugurada na década de 1960 no bairro de Santo Amaro.

Estátua de Borba Gato/Site São Paulo Antiga

Em 2021, membros da esquerda diurética fizeram um movimento no sentido de remover a estátua, mas o bom senso a manteve, por enquanto. Está lá, imponente e histórica. Pior: o movimento esquerdista vandalizou-a, incendiando-a.

Argumento dos desocupados: Borba Gato defendia a escravidão. Todavia, a verdade histórica se sustenta por si só. A derrubada da estátua não vai apagar a história do Brasil, tampouco ofuscar a memória da escravidão ignóbil.

Estátua de Borba Gato/Reprodução Uol

Uma imagem deprimente, condenável, imbecil, estapafúrdia.

Mais do que isto: um desrespeito à história, mormente de São Paulo.

Em Juazeiro, belíssimo município à margem do São Francisco, nasceu o jogador Daniel Alves, que ostenta dezenas de títulos conquistados na história do futebol.

Há uma estátua na cidade em sua homenagem.

Agora, o Ministério Público da Bahia determinou que a Prefeitura explique, “em um prazo de cinco dias, como se deu a autorização que permitiu a colocação de uma estátua do ex-jogador de futebol, Daniel Alves, no centro da cidade” (Folha de S.Paulo, 12/04/2024).

Salvo engano, a ideia partiu de uma ativista, que quer a remoção da estátua.

O Ministério Público questiona se o monumento “trata-se de um bem público” de Juazeiro. 

A Prefeitura de Juazeiro inaugurou a estátua de Daniel Alves em dezembro de 2020. Há notícia de que já foi alvo de depredações, tendo em vista  insatisfação de parte da população juazeirense, em razão das notícias sobre o envolvimento do atleta em suposto crime hediondo.

Crime dessa natureza deve ser rechaçado, repelido, independentemente de quem o pratica. Cabe à sociedade como um todo – e a cada um de nós, isoladamente – condenar qualquer tendência criminosa que desemboque em barbaridade como essa.

Mas como se vê, uma mancha estritamente pessoal adstrita a Daniel Alves que não contamina a gloriosa sociedade juazeirense.

Não conheço Daniel Alves. Não me recordo de tê-lo visto atuando em campo, mas isto não tem a menor importância, “não inflói nem contribói”, como se dizia antigamente nas rodas estudantis.

O que importa aqui – e é fato inegável – é que ele defendeu o futebol brasileiro, sim.

Entretanto, parece razoável entender que há um exagero nisto tudo. Há alguma coisa fora do lugar e não é a estátua.

A estátua – custeada ou não pelo poder público – foi erguida em homenagem ao profissional, ao jogador, que não deve ser confundido, stricto sensu, com o cidadão Daniel Alves, condenado por estupro, pela Justiça espanhola e que, salvo engano, ainda cabe apreciação das instâncias superiores de lá.

Uma coisa é o atleta, que sustentou o nome do esporte do Brasil noutros países; outra coisa é, completamente diferente, o delinquente que transgrediu as leis penais e arranhou a conduta social.

A sociedade não deve aceitá-lo em sua convivência, por óbvio, enquanto não pagar a pena. É a praxe, é o razoável, é a norma jurídica. Mas daí a sociedade ostentar o direito de mandar derrubar a estátua em sua homenagem, vai uma grande distância.

Se construída com dinheiro público, maior a razão para não derrubá-la. Recurso do contribuinte não pode ser espezinhado dessa maneira e transformado em escombros.  

Parece indubitável que a estátua foi erguida quando não havia quaisquer arranhões à conduta do jogador. Antecede à prática criminosa de que é acusado.

Com as exceções honrosas, se a moda pega, diminuirão, sobremaneira, as estátuas em praças públicas do Brasil, se os critérios forem esses: ficam lá, imponentes e reverenciados, somente os monumentos representativos de impolutos heróis de caráter irrepreensível.

Ativistas talvez fossem mais úteis à sociedade se preocupassem mais com as pessoas que passam fome – e são muitas, centenas, milhares – crianças desamparadas sem lar e sem escolas, moradores em situação de rua (Juazeiro deve ter alguns), esgotamento sanitário, falta de moradias, fiscalização da atuação dos agentes públicos em todos os níveis, vigilância quanto ao correto emprego do dinheiro do contribuinte et cetera.

Ativistas talvez fossem mais úteis à sociedade se lutassem por melhoria nos serviços públicos de saúde, eficiência no transporte de doentes, disponibilidade ambulatorial e remédios para a população carente.    

Entretanto, cuidar de famintos e socialmente desamparados não atrai holofotes.

No Brasil surgem ativistas para tudo. Há ativistas defendendo a Floresta Amazônica que nunca foram à região Norte. Outros defendendo o bioma caatinga que não conhecem um pé de xiquexique ou uma macambira; e outros tantos embevecidos no fanatismo político. Estes vivem abraçados ao patetismo sem nenhum pudor.   

De qualquer modo, Daniel Alves está sob o jugo da Justiça e das leis penais e processuais. É o bastante.

araújo-costa@uol.com.br  

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