A “justiça” do Supremo Tribunal Federal

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto” (Ruy Barbosa,1849-1923).

Amigo de longa data me tem ponderado que faço papel de besta na maioria de meus escritos.

Tem razão.

Diz ele que me desgasto no tempo ao criticar agentes públicos poderosos, relapsos, desavergonhados, pequenos.

Nesta toada de anos, acabo por melindrar defensores de hipócritas de toda ordem que a grande imprensa bajuladora lhes lambe as botas.

Não sou adepto do ditado “em terra de sapos, de cócoras com eles”.

Deixemos os sapos em sua quietude. Vigiemos as injustiças.

É preciso indignar-me, ainda que poucos escutem minha indignação e a indignação de muitos que não têm voz.

É cômodo para os poderosos o silêncio dos insatisfeitos.

É utópico acreditar na suposta seriedade de agentes públicos que se dizem suprassumos da honestidade e da decência.

Os exemplos de descalabros são muitos. As obviedades pululam.

A Defensoria Pública da União “tenta absolver dois réus dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, um trabalhador ambulante e um morador de rua”, que os donos do Brasil encastelados no  Supremo Tribunal Federal insistem em dizer que são perigosos executores de atos contra a democracia e o estado de Direito (Folha de S.Paulo, 21/03/2024).

Nesse diapasão, a Defensoria Pública da União conseguiu favorecer dois famintos e desamparados réus que o Supremo Tribunal Federal diz que são perigosos golpistas.

Um acusado “vendia bonés, camisetas e água em frente ao acampamento bolsonarista no quartel-general do Exército em Brasília, onde foi preso em flagrante” (Folha de S.Paulo, 21/03/2024).

O preso disse “que não estava presente nos ataques e só foi no dia seguinte retirar as mercadorias que estavam guardadas na igreja próxima ao quartel desde 7 de janeiro”, segundo o jornal.

Ainda, segundo o jornal da mesma data,  o acusado “está passando por situação de miserabilidade, com fome”.

A Defensoria disse que teve dificuldade de encontrar o réu, “por se tratar de pessoa humilde, em situação de extrema vulnerabilidade social”, sobejamente conhecida em semáforos de Brasília cavando o ganha pão.

O acusado disse à Defensoria que “é o único responsável por dois filhos menores de idade, cuja mãe teria sido assassinada”.

O outro caso, que o Supremo Tribunal Federal entende ser perigoso golpista, é uma “pessoa em situação de rua, com problemas de saúde física e mental (esquizofrenia)”.

Todavia, enquanto isto:   

O Poder Judiciário que prende humildes e famintos é o mesmo que manda soltar perigoso traficante e lhe devolve aeronave, mansão, iate e outros bens valiosos presumivelmente comprados com o dinheiro do crime, antes apreendidos por ordem da própria justiça.

O mesmo Supremo Tribunal Federal, que prende vendedor ambulante e morador de rua, anula milionárias multas lavradas contra empresas envolvidas em corrupção mediante contratos com órgãos do governo federal.

É o mesmo Supremo Tribunal Federal que manda anular condenações de empresários super-ricos que enriqueceram ilicitamente em conluio com agentes públicos.

Embora alguns deles tenham confessado a prática espúria, o preciosismo processual permite que escapem das punições.

Tudo isto está na imprensa. Nada é novidade.

É o triunfar das nulidades e o agigantamento do poder nas mãos dos maus, de que falava Ruy Barbosa.

Mas não devemos perder a esperança.

Devemos acreditar na Justiça, sim. Sempre.

Respeitar o Poder Judiciário é dever de todo cidadão brasileiro, mas isto não significa ignorar injustiças e deixar de pugnar por uma Justiça consentânea com a lógica do Direito.

O Brasil ainda tem jeito, apesar dos gênios encimados nos pedestais de Brasília.

araujo-costa@uol.com.br    

Deixe um comentário